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Washington, D.C., 5 de setembro de 2013

 

Vossa Excelência Dilma Rousseff

Presidenta da República do Brasil

Brasília, Brasil

 

Excelentíssima Senhora Presidenta da República Dilma Rousseff,

Vimos, por meio desta, solicitar que o governo do Brasil e outros membros do MERCOSUL ajam para que o governo da Venezuela revogue sua decisão de se retirar do sistema interamericano de direitos humanos, que entra em vigor no dia 10 de setembro de 2013. Após essa data, os cidadãos e residentes da Venezuela não poderão recorrer ao mecanismo externo que, há anos e em países de toda a região, tem sido o mais importante para pedir reparação por abusos sofridos quando esta não é fornecida por tribunais nacionais. Isso é especialmente problemático em um país como a Venezuela, onde falta independência judicial e cujo Supremo Tribunal vem repetidamente defendendo políticas governamentais que prejudicam os direitos básicos.

Em agosto de 2012, depois que a Venezuela se associou ao MERCOSUL, nós escrevemos para os presidentes dos outros países-membros informando que, além de oferecer uma oportunidade importante aos governos, o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do MERCOSUL confere o dever de discutir com seriedade os graves problemas de direitos humanos na Venezuela em conjunto com o governo do país[1].

Infelizmente, a situação dos direitos humanos na Venezuela apenas piorou no último ano. Os problemas descritos em nossa carta anterior continuam sendo graves. Eles incluem a falta de independência judicial, o aumento das restrições ao exercício do direito à liberdade de expressão e a limitação da capacidade das organizações não governamentais para trabalhar de forma independente.

Além disso, as autoridades venezuelanas não investigaram adequadamente as graves alegações de violações dos direitos humanos ocorridas após as eleições presidenciais de abril de 2013, nas quais Nicolás Maduro foi eleito presidente por uma margem muito estreita, segundo as autoridades eleitorais oficiais do país.

Por exemplo, uma delegação do Fórum pela Vida (Foro por la Vida)—uma rede de 18 organizações venezuelanas de direitos humanos—publicou um relatório informando que encontrara evidências indicando o uso de força excessiva pelas forças de segurança para dispersar as manifestações em favor de Henrique Capriles Radonski (o candidato da oposição) no Estado de Lara, ocorridas nos dias 15 e 16 de abril[2]. De acordo com esse relatório, escrito por membros da respeitada organização de direitos humanos PROVEA e do Centro de Direitos Humanos da Universidade Central da Venezuela, as forças de segurança detiveram arbitrariamente pelo menos 62 pessoas que participavam da manifestação de forma pacífica e feriram outras 38, incluindo 11 que trabalhavam para meios de comunicação. Os detentos informaram que foram espancados, sofreram ameaças de violência sexual e ficaram sem comer por mais de 24 horas. Segundo as organizações que entrevistaram as vítimas, perguntavam-lhes “Quem é seu presidente?”. Se sua resposta não fosse “Nicolás Maduro”, elas eram em seguida agredidas em várias partes do corpo. Várias testemunhas afirmaram que uma pessoa sofreu choques elétricos.

Da mesma forma, o COFAVIC (outro grupo de direitos humanos muito respeitado na Venezuela) publicou um relatório contendo informações sobre 72 casos de supostas detenções arbitrárias, torturas e violações de processo supostamente ocorridos nos Estados de Lara, Carabobo e Barinas nos dias 15 e 16 de abril[3]. De acordo com o relatório, as forças de segurança usaram força excessiva para dispersar manifestações pacíficas, incluindo o uso indiscriminado de balas de borracha e chumbo contra os manifestantes. As forças de segurança também teriam detido manifestantes de forma arbitrária e os espancado na cabeça, pescoço e costas com cassetetes, capacetes e garrafas de água congelada. O grupo informou que os detentos—em sua maioria, detidos em bases militares da Guarda Nacional ou em delegacias de polícia—foram forçados a entoar cantos em favor do Presidente Maduro e a jogar fora os chapéus, pulseiras e outros apetrechos de apoio a Capriles. Em pelo menos oito desses casos, os detentos disseram que foram forçados a tirar as roupas e receberam ameaças sexuais e de morte. Segundo o relatório, as pessoas que ficaram feridas durante a detenção e nas manifestações não tiveram acesso imediato a cuidados médicos.

Grupos locais de direitos humanos disseram à Human Rights Watch que, de acordo com as informações que conseguiram reunir sobre as investigações, as autoridades do governo não investigaram adequadamente os casos documentados nos relatórios, apesar de muitas vítimas terem apresentado queixas. Em resposta às alegações da imprensa de que as forças de segurança haviam abusado dos detentos em várias manifestações, inclusive em Lara, o procurador-geral disse que as afirmações eram falsas “porque indivíduos privados de sua liberdade não são maltratados na Venezuela”[4]. Segundo fontes oficiais, dentre as 35 queixas de abusos cometidos pelas forças de segurança durante e imediatamente após as manifestações ocorridas no Estado de Lara, apenas duas estavam sendo investigadas por supostos maus-tratos[5].

A Venezuela é parte da Convenção Americana de Direitos Humanos e está sujeita à jurisdição da Corte Interamericana desde 1977[6]. Durante décadas, os venezuelanos puderam pedir reparação ao sistema interamericano de direitos humanos por abusos sofridos, quando as soluções locais eram ineficazes ou estavam indisponíveis. A Corte defendeu os direitos dos venezuelanos em vários casos que envolveram, por exemplo, execuções extrajudiciais, condições das prisões, liberdade de expressão, o direito de concorrer a cargos públicos e independência judicial, entre outros. Eles não poderão mais solicitar a intervenção da corte em casos de abusos cometidos depois que a denúncia do tratado entrar em vigor nos próximos dias[7].

Um ano já se passou desde que a Venezuela entrou no MERCOSUL, mas os governos do Brasil e dos outros países-membros do MERCOSUL ainda não discutiram esses graves problemas de direitos humanos com o governo da Venezuela de forma séria e pública. Hoje a Venezuela detém a presidência temporária do bloco regional. Ao ignorar o compromisso de proteger e promover os direitos básicos e de respeitar as instituições democráticas nos países-membros, o Brasil transmite a lamentável mensagem de que os compromissos internacionais previstos no Protocolo de Assunção não passam de promessas vazias.

Se seu governo e os outros países-membros conseguissem reverter a decisão do governo venezuelano de se retirar do sistema interamericano de direitos humanos, o Brasil daria um passo muito concreto na direção de reforçar a proteção dos direitos humanos—um passo extremamente importante para as vítimas de abusos na Venezuela.

Atenciosamente,

 

José Miguel Vivanco

Diretor            

Divisão das Américas

 

CC: Luiz Alberto Figueiredo Machado, Ministro das Relações Exteriores

 


[1]O artigo 1 do Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do MERCOSUL diz: “A plena vigênciadas instituições democráticas e o respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais são condições essenciais para a vigênciae a evolução do processo de integração entre as Partes”. O artigo 2 determina que: “As Partes cooperarão mutuamente para a promoção e a proteção efetiva dos direitos humanos e das liberdades fundamentais atravésdos mecanismos institucionais estabelecidos no MERCOSUL”. Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do MERCOSUL, Mercosul/CMC/DEC. N, 17/05, http://www.mercosur.int/msweb/Normas/normas_web/Decisiones/ES/CMC_2005-0... (acessado em 02 de setembro de 2013).

[2]Provea, “Criminalização dos protestos ocorridos na Venezuela durante o mês de abril” (Criminalización de las protestas ocurridas en Venezuela durante el mes de abril del 2013), 16 de maio de 2013, cópia arquivada na Human Rights Watch.

[3]COFAVIC, “Relatório sobre direitos humanos no contexto pós-eleitoral de abril de 2013 na Venezuela” (Informe DDHH en contexto post electoral de abril de 2013 en Venezuela), 11 de julho de 2013, http://www.cofavic.org/det_noticia.php?id=244 (acessado em 02 de setembro de 2013).

[4]“O Estado da Venezuela respeita os direitos dos detentos que participaram de atos fascistas” (Estado venezolano respeta derechos de privados de libertad que participaron en actos fascistas), Venezolana de Televisión, n.d,

http://www.vtv.gob.ve/articulos/2013/04/24/estado-venezolano-garantiza-respeto-de-los-derechos-humanos-a-privados-de-libertad-8640.html(acessado em 02 de setembro de 2013).

[5]Procuradoria Geral, “Há apenas duas denúncias de supostos maus-tratos no Estado de Lara” (FGR: Sólo se manejan dos denuncias por presuntos maltratos en el estado Lara), 09 de maio de 2013, http://www.mp.gob.ve/web/guest/buscador/-/journal_content/56/10136/2373034(acessado em 02 de setembro de 2013).

[6]O tratado foi assinado em 22 de novembro de 1969 e ratificado em 23 de junho de 1977. Departamento de Direito Internacional da OEA, “B-32: Convenção Americana de Direitos Humanos” (B-32: Convención Americana sobre Derechos Humanos ‘Pacto San José de Costa Rica’), sem data, http://www.oas.org/juridico/english/Sigs/b-32.html (02 de setembro de 2013).

[7]Em setembro de 2012, o governo da Venezuela entregou a denúncia da Convenção às autoridades da OEA. De acordo com o artigo 78, ela entra em vigor em um ano. “Secretário Geral da OEA Informa a Decisão da Venezuela de Denunciar a Convenção Americana de Direitos Humanos”, 10 de setembro de 2012, http://www.oas.org/en/media_center/press_release.asp?sCodigo=E-307/12 (acessado em 02 de setembro de 2013).

O tratado foi assinado em 22 de novembro de 1969 e ratificado em 23 de junho de 1977. Departamento de Direito Internacional da OEA, “B-32: Convenção Americana de Direitos Humanos” (B-32: Convención Americana sobre Derechos Humanos ‘Pacto San José de Costa Rica’), sem data, http://www.oas.org/juridico/english/Sigs/b-32.html (02 de setembro de 2013).

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