Skip to main content

Após os terríveis ataques de 11/09 em Nova Iorque e Washington, o governo do então presidente Bush reagiu de forma violenta e sem o devido respeito aos direitos humanos: tortura, detenções secretas ou indefinidas, e espionagem marcaram a política contra o terror.

Essas políticas, replicadas por muitos outros governos no mundo, comprometeram direitos fundamentais e estigmatizaram comunidades inteiras,  além de fracassarem em eliminar a ameaça que se propunham a combater.

Com os recentes ataques em Paris, Bamako, Beirute e Sinai, crescem os apelos entre líderes em todo o mundo pela adoção de medidas similares que restringem liberdades individuais e pelo enfraquecimento de políticas humanitárias para refugiados – a despeito da maior crise migratória desde o fim da II Guerra Mundial, com mais de 60 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas. Os que fugiram da mesma violência e crueldade manifestadas nesses ataques, são agora punidos e usados como bode expiatório.

Igualar extremistas a refugiados é errado e moralmente condenável: de acordo com as autoridades francesas, grande parte dos perpetradores dos ataques em Paris, era de cidadãos europeus ou residentes de longa data. E, embora os governos tenham a obrigação de proteger seus cidadãos, devem fazê-lo sem rejeitar os que fogem da morte e destruição na Síria, Iraque e outros lugares. Um esforço mais coordenado nas fronteiras europeias, assim como um maior comprometimento de países de todo o mundo no reassentamento dos refugiados, beneficiariam aqueles que buscam refúgioe permitiriam melhores procedimentos de segurança.

O Brasil acolheu por volta de 2.100 dos mais de 4 milhões de refugiados da guerra na Síria, entre um total de quase 8.5 mil no país. A presidente Dilma Rousseff declarou que o Brasil está aberto a receber outros mais. Apoiamos esta declaração e esperamos que o Brasil permaneça fiel a seus princípios, evitando a xenofobia que levou vários governos europeus e governadores republicanos dos EUA a insistirem que não aceitarão mais refugiados.

A esta decisão de acolher refugiados deve seguir um esforço organizado entre os vários níveis do governo para promover uma integração genuína e oferecer serviços específicos a refugiados que correm risco de sofrerem abusos e discriminação. Entre os grupos particularmente vulneráveis estão crianças desacompanhadas, famílias com crianças pequenas, vítimas do tráfico de pessoas, pessoas sujeitas à violência de gênero, LGBTs, mulheres viajando sozinhas, grávidas ou lactantes e pessoas com deficiência.

O Brasil também não deve permitir que os atentados em Paris, Beirute e outros locais se tornem justificativa para a aprovação de um equivocado projeto de lei contra o terrorismo, em tramitação na Câmara dos Deputados. A Human Rights Watch já se manifestou sobre os termos vagos e genéricos do projeto, que poderão ser usados para restringir direitos e liberdades básicas. Uma lei tão imprecisa corre o risco de não ser justa nem eficaz: ela viola obrigações internacionais do Brasil ao prejudicar manifestantes pacíficos e pessoas sem qualquer laço com o extremismo violento, além de não servir para combater reais ameaças terroristas.

Enquanto o mundo ainda se recupera dos recentes ataques, governos são tentados a responder de forma similar àquela escolhida pela administração Bush. Em vez disso, governos, e particularmente líderes regionais como o Brasil, país que recebeu o maior número de refugiados sírios na região, devem reconhecer que, mais do que nunca, este é o momento de permanecerem firmes em valores fundamentais.

 

Iain Levine é vice-presidente da Human Rights Watch e Maria Laura Canineu é diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch.

Uma versão deste artigo foi publicada hoje no jornal Folha de São Paulo.

Your tax deductible gift can help stop human rights violations and save lives around the world.

Região/País