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Brasil: Execuções Extrajudiciais Comprometem a Segurança Pública no Rio

Homicídios policiais persistem às vésperas dos Jogos Olímpicos

(Rio de Janeiro) - O estado do Rio de Janeiro prometeu avanços na segurança pública em preparação para as Olimpíadas, mas não fez o suficiente para resolver o problema das execuções extrajudicias cometidas pela policia, um obstáculo central para a um policiamento mais efetivo, disse a Human Rights Watch em relatório divulgado hoje.

O relatório de 117 páginas, "‘O Bom Policial Tem Medo’: Os Custos da Violência Policial no Rio de Janeiro", documenta como o uso ilegal da força letal por policiais tem contribuido para o desmantelamento dos ambiciosos esforços do estado para melhorar a segurança pública.

A polícia do Rio de Janeiro matou mais de 8.000 pessoas na última década, incluindo pelo menos 645 pessoas em 2015. O relatório concluiu que muitas dessas mortes foram provavelmente resultado do uso legítimo da força, mas muitas outras foram execuções extrajudiciais, segundo a Human Rights Watch.

"O Rio enfrenta um problema sério de criminalidade violenta, mas executar suspeitos não é a solução", disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. "Essas execuções colocam as comunidades contra a polícia e comprometem a segurança de todos".

A Human Rights Watch entrevistou mais de 30 policiais do Rio, incluindo vários que descreveram suas próprias experiências com o uso da força letal, inclusive dois que admitiram direta participação em execuções. Um policial descreveu uma operação em que um colega executou um suposto traficante de drogas enquanto ele estava ferido no chão. Outro descreveu uma operação deflagrada com o propósito de matar, não prender, suspeitos de integrarem facções criminosas.

Policiais disseram que não denunciariam os crimes de seus colegas por medo de também serem mortos. “(Eles) não pensariam um milésimo de segundo para me matar ou a minha família”, um deles disse.

A Human Rights Watch concluiu que policiais envolvidos em execuções extrajudiciais procuram encobrir seu comportamento criminoso. Eles intimidam testemunhas, plantam armas ou drogas nas vítimas, removem seus corpos do local do crime, levando-os ao hospital, com a justificativa de que tentam “socorrê-las”.

A Human Rights Watch encontrou provas críveis em 64 casos que policiais procuraram encobrir casos de uso ilegal da força letal. De acordo com autoridades do sistema de justiça local, esses casos refletem um problema muito mais amplo. Eles disseram que um grande número de “confrontos” relatados por policiais no estado nos últimos anos foram de fato execuções extrajudiciais. Estatísticas oficiais reforçam essa conclusão.

Durante supostos “confrontos” reportados entre 2013 e 2015, a polícia do Rio matou cinco vezes mais pessoas do que feriu, o contrário do que se poderia esperar nessas situações. Em 2015, para cada policial morto em serviço no Rio de Janeiro, a polícia matou 24,8 pessoas, mais que o dobro do que na África do Sul e uma média três vezes do que a dos EUA.

Execuções extrajudiciais cometidas pela polícia causam um forte impacto, não somente nas vítimas e seus familiares, mas também na própria polícia, segundo a Human Rights Watch. Essas mortes fomentam ciclos de violência que colocam em risco as vidas dos policiais que atuam em áreas com altos índices de criminalidade, destroem seu relacionamento com as comunidades e contribuem para elevados níveis de estresse, prejudicando sua capacidade de fazer bem o seu trabalho.

Os 64 casos nos quais a Human Rights Watch encontrou fortes evidências de acobertamento incluem 35 casos originalmente documentados no relatório Força Letal, de 2009, e 29 casos documentados desde então, incluindo 12 que ocorreram nos últimos dois anos. Nesses 64 casos, 116 pessoas perderam suas vidas, incluindo ao menos 24 crianças e adolescentes.

Quase todos os 64 casos foram relatados como "confrontos" pela polícia. Todavia, em pelo menos 20, laudos necroscópicos demonstraram que as vítimas foram baleadas à queima-roupa. Em outros casos, depoimentos de testemunhas e outros exames periciais indicaram que não houve confronto.

Policiais responsáveis por execuções e acobertamentos raramente são levados à justiça. A polícia civil tem conduzido investigações lamentavelmente inadequadas. Entretanto, a responsabilidade de acabar com a impunidade nesses casos é, em última instância, do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, que tem competência constitucional para realizar o controle externo da atividade policial, fiscalizando o trabalho da polícia civil, bem como conduzindo suas próprias investigações, disse a Human Rights Watch.

“Ao não investigarem adequadamente as execuções extrajudiciais, as autoridades não apenas negam justiça aos familiares das vítimas, como também fazem um grande desfavor à força policial do Rio", disse Maria Laura. "Enquanto persistir a impunidade, alguns policiais continuarão cometendo execuções extrajudiciais, tornando o trabalho de policiamento no Rio mais difícil e perigoso para os demais".

Em sua proposta para os Jogos Olímpicos, o governo brasileiro disse que o evento agiria como “um grande catalisador de melhorias de longo prazo nos sistemas de segurança da cidade do Rio de Janeiro”. A principal iniciativa em matéria de segurança do Rio foi um projeto para substituir as incursões militares nas favelas por uma abordagem de policiamento de “proximidade” nas comunidades, por meio das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

Apesar do número oficial de homicídios cometidos pela polícia, que alcançou mais de 1.300 em 2007, ter caído para cerca de 400 em 2013, o número voltou a crescer desde então, chegando a 645 em 2015 e 322 de janeiro a maio de 2016, de acordo com os últimos dados disponíveis.

Recentemente, as autoridades fluminenses adotaram uma série de medidas para lidar de forma mais eficiente com os homicídios cometidos pela polícia, incluindo a criação de um grupo especial de promotores de justiça focado na atuação policial. Contudo, medidas adicionais são necessárias para fortalecer o grupo e para assegurar investigações adequadas e a responsabilização nesses casos, concluiu o relatório.

"Não se pode esperar que o policiamento de proximidade funcione quando a polícia continua a executar membros das comunidades que deveria proteger", disse Maria Laura. "Também não dá para esperar que policiais honestos tenham bom desempenho quando eles vivem em constante temor, não só com relação a membros de facções criminosas, como também dos próprios colegas policiais".

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