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Duas das muitas crianças detidas no campo de VIAL, na ilha grega de Quios. © 2016 Human Rights Watch

Em outubro de 2016, visitei campos de refugiados na Grécia, desembarque de milhares de pessoas em busca de segurança.

Na entrada do campo de VIAL, na ilha de Quios, um menino de jeans rasgados gritou em minha direção da porta de um ônibus que partia, caindo aos pedaços. "Desista, não perca seu tempo, nada vai mudar". A porta se fechou e o ônibus afastou-se lentamente.

Aquelas palavras me surpreenderam. VIAL é onde solicitantes de refúgio são entrevistados como parte do processo que, no melhor dos mundos, levaria à chance justa de encontrar refúgio na Europa. Entretanto, à época, com o crescente fechamento das fronteiras nos Balcãs e o falho acordo com a Turquia, pouco sucesso restava no processamento dos pedidos, tornando VIAL um beco sem saída.

Antes de partir, o menino que gritava do ônibus me contou que fugiu do Afeganistão para não se juntar ao Taliban. Com apenas 15 anos, passou dois anos sozinho, atravessando o Irã, Iraque e a Turquia, no perigoso mundo dos indocumentados. Ele sequer sabia se sua família estava viva.

Encontrei outras crianças, sírias, afegãs, iraquianas e somalis, que, como aquele menino, sentiam-se presas. Apáticas, sem acesso à educação adequada, contavam os dias, semanas e meses até que pudessem ter seus destinos definidos.

Outras tiveram mais sorte. Esses dias conheci a família Majid, com três crianças. Fugiram de Aleppo em 2015 e, por dois meses, atravessaram oito países europeus, enfrentando fronteiras hostis, cercas de arame farpado, fome, chuva e privação de sono, até que chegaram à Suécia, que lhes deu um novo lar. Eles estavam em São Paulo para participar da exposição sobre sua jornada, que rendeu ao fotógrafo brasileiro, Mauricio Lima, o Prêmio Pulitzer.

Na Suécia, as crianças estão redescobrindo uma vida normal: brincam, vão à escola, jogam futebol. Estão quase fluentes em sueco. Ao menos para elas, as memórias da guerra na Síria – onde o número de mortos supera 400 mil pessoas, de deslocados 12 milhões, e onde armas químicas são sistematicamente  usadas pelo governo – podem ficar pra trás. Em tempos tão trágicos, mais países precisam abraçar famílias como os Majids. Quase 65 milhões de pessoas estão hoje deslocadas por guerra ou perseguição.

A resposta do Brasil a esta crise, a maior desde a II Guerra Mundial, é decepcionante. O maior grupo de refugiados hoje é de sírios, e o Brasil acolheu só 3.000 deles. É verdade que receber refugiados e garantir sua integração exige recursos, já que vêm de culturas distantes e em geral não falam português. Mas o Brasil pode buscar financiamento do setor privado, de agências da ONU e de países doadores para aumentar sua capacidade, e nossa bem estabelecida comunidade síria e outras podem facilitar a integração.

O Brasil já abriu as portas a refugiados antes. Milhares de europeus vieram logo após as duas guerras mundiais. Muitos mostraram que estrangeiros em busca de uma vida livre do medo e do sofrimento fazem inestimáveis contribuições aos países que os acolhem.

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