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Maria Gabriela Silva Alves (“Gabi”), 2 anos, com a sua mãe, Maria Carolina Silva Flor (“Carol”), na sua casa em Esperança, Paraíba, Brasil, em 2018. Gabi foi uma das milhares de crianças nascidas com deficiência causada pela exposição ao vírus Zika no útero durante o surto de 2015-2016. © 2018 Joselito Alves dos Santos
Ouvindo os candidatos à presidência do Brasil, ninguém imaginaria que há apenas três anos a epidemia de Zika mudou radicalmente a vida de milhares de famílias brasileiras.

Maria Carolina Silva Flor (“Carol”) e Maria Paula, que pediu para identificá-la só pelo primeiro nome, são duas mulheres que deram à luz crianças com síndrome congênita de Zika durante o surto de 2015-2016 no nordeste brasileiro. Os seríssimos efeitos do vírus não eram bem conhecidos à época, e elas não podiam imaginar o quanto suas vidas mudariam. Hoje, à medida que suas filhas crescem e suas necessidades evoluem e mudam, as duas mães lutam para criar suas crianças sem o apoio adequado do governo.

O município onde Carol vive, Esperança, não oferece os serviços que sua filha, Gabi, precisa. Por isso, três vezes por semana, ela viaja meia hora à Campina Grande, uma cidade maior no estado da Paraíba, para consultas com médicos e especialistas.

Em Recife, Maria Paula tem uma cadeira de rodas para ajudar a filha, Mariana, que hoje pesa 13 quilos, a ir para suas consultas médicas duas vezes por semana. Mas os ônibus que ela pega não são acessíveis, então ela deixa a cadeira de rodas em casa e carrega Mariana nos braços.

Eu conheci Maria Paula e Carol no final de 2016 enquanto eu e meus colegas conduzíamos uma pesquisa para um relatório da Human Rights Watch sobre os impactos do surto de Zika no Brasil. Descobrimos que as famílias que criam crianças com a síndrome congênita de Zika não têm o apoio que precisam, muito menos acesso a serviços que protejam seus direitos humanos básicos à vida e à saúde. As pessoas na região têm acesso limitado a serviços de água potável e saneamento, e as mulheres e meninas não têm informações e serviços abrangentes de saúde reprodutiva.

Nos últimos meses, conversei novamente com algumas das mães, incluindo Maria Paula e Carol. Embora seus filhos tenham acesso a alguns serviços de saúde, muitos deles tiveram dificuldade em obter todos os serviços de que necessitam e, em muitos casos, as mães questionaram a qualidade desses serviços. Elas também relataram dificuldades em agendar uma cirurgia e em chegar às consultas médicas, bem como com os gastos com medicamentos. Recentemente, mães de crianças com síndrome congênita de Zika em Campina Grande realizaram um protesto contra a falta de leitos em unidades de terapia intensiva para seus filhos – a falta de leitos contribuiu para a morte de um bebê nascido com a síndrome congênita.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, em junho, um terço das crianças com casos confirmados de síndrome congênita de Zika não recebia cuidados em puericultura,  e dois terços não tinham acesso a serviços de estimulação precoce, que é especialmente importante para o seu desenvolvimento.

Cuidar de uma criança com síndrome congênita de Zika é uma rotina extenuante quando não se tem uma rede adequada de serviços de apoio, como assistência pessoal aos pais. Algumas mães descreveram se sentir emocionalmente exaustas, ou afirmaram enfrentar discriminação ou preconceito contra elas e seus filhos nos centros de saúde ou no transporte público. Uma mãe me disse que um motorista de ônibus inicialmente se recusou a abrir a porta para ela e sua filha com a síndrome de Zika e depois disse para ela “calar a boca” quando ela defendeu o direito da filha a ter transporte gratuito. A mãe fez uma denúncia às autoridades locais, mas após o episódio hostil, ela sofreu ataques de pânico e não conseguia andar de ônibus e enfrentar o motorista por vários meses. Ela não conseguia levar sua filha às sessões de terapia e consultas médicas que ela precisava. "Eu não tinha condições emocionais de cuidar dela", disse ela.

Os cuidadores precisam de apoio. Uma maneira de ajudá-los é oferecer creches com equipes treinadas para trabalhar com crianças que tenham a síndrome de Zika. Como me contou uma mãe de um menino de dois anos com síndrome de Zika, ter uma creche em que ela confiasse para atender às necessidades especiais de seu filho lhe permitiria procurar um emprego que a ajudasse a sustentar seu filho e a obter os serviços de que ele precisa.

A falta de serviços e apoio providos na comunidade pode ter consequências devastadoras para as crianças com síndrome congênita de Zika. Um relatório recente da Human Rights Watch concluiu que pessoas com deficiência vivem confinadas em instituições em condições desumanas, com pouco contato com a sociedade. Muitos entram em instituições ainda quando crianças e lá permanecem por toda a vida. Sem o apoio adequado, as crianças com síndrome congênita de Zika podem acabar nas mesmas instituições.

No auge do surto, o vírus Zika estava em todos os jornais e as autoridades se viram pressionadas a oferecer uma resposta. Mas, agora, as famílias afetadas pelo vírus correm o risco de serem esquecidas - pelo público e pelo governo. O número decrescente de crianças nascidas com síndrome congênita de Zika pode dar a impressão de que o surto de Zika não requer mais atenção do Estado. Nada poderia estar mais longe da verdade. Para as famílias com crianças afetadas pela epidemia, as consequências durarão por toda sua vida.

Maria Paula e Carol estão lutando para garantir o melhor para suas filhas a fim de que elas possam ter a melhor qualidade de vida possível. As autoridades federais e locais não devem deixar que elas lutem sozinhas. Essas crianças precisam dos melhores serviços e cuidados médicos disponíveis, e precisam desses cuidados ao seu alcance. O fornecimento desses serviços não apenas ajudará as crianças e suas famílias, como também fortalecerá a própria comunidade.

 

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