Skip to main content

Moçambique: barreiras à educação de crianças com albinismo

É preciso melhorar segurança e oferecer instalações adequadas nas escolas

Flávia Pinto, diretora da Azemap, uma organização de voluntários que apoia pessoas com albinismo, com uma criança que ela esta em vias de adotar. O pai da criança foi condenado por tentar vendê-la. 2019 Marcus Bleasdale para a Human Rights Watch.

(Joanesburgo) Crianças com albinismo enfrentam insegurança e obstáculos significativos no acesso à educação de qualidade na província de Tete, em Moçambique, afirmou a Human Rights Watch num relatório divulgado hoje.

O relatório, “‘Do berço ao túmulo’: discriminação e barreiras à educação de pessoas com albinismo na província de Tete no Moçambique”, está disponível em edição especial online com vídeo e fotos. A Human Rights Watch constatou que as crianças com albinismo na província moçambicana de Tete, no centro do país, são amplamente discriminadas, estigmatizadas e muitas vezes rejeitadas na escola, na comunidade e, por vezes, por suas próprias famílias. Elas lutam para superar barreiras como a insegurança, o bullying e a falta de adequações razoáveis na sala de aula, o que viola o seu direito à educação. Embora o governo de Moçambique tenha adotado medidas importantes para melhor proteger os direitos das crianças com albinismo, é preciso ir além para garantir a igualdade de acesso à educação.

"Crianças com albinismo têm o mesmo direito que todas as outras têm a uma educação de qualidade com o adequado suporte para facilitar sua aprendizagem", afirmou Shantha Rau Barriga, diretora da divisão de direitos das pessoas com deficiência da Human Rights Watch. “Ainda assim, muitas crianças com albinismo em Tete são relegadas às margens do sistema educativo e da sociedade como um todo”.

A Human Rights Watch entrevistou mais de 60 pessoas entre julho de 2018 e maio de 2019 na província de Tete e na capital de Moçambique, Maputo. Entre os entrevistados estão 42 crianças e jovens com albinismo e seus familiares; defensores dos direitos de pessoas com deficiência e de pessoas com albinismo, líderes comunitários, professores e diretores de escolas e representantes de organizações internacionais. A Human Rights Watch também se reuniu com funcionários do governo em maio e analisou a legislação e políticas nacionais e internacionais relevantes.

O albinismo é uma condição relativamente rara causada pela falta de melanina ou pigmentação da pele, cabelo e olhos. Pessoas com albinismo geralmente têm uma aparência mais pálida e branca do que seus parentes. Embora o albinismo afete uma em cada 17.000 a 20.000 pessoas na Europa e na América do Norte, a condição é mais comum na África Subsaariana, com relatos que indicam que 1 em cada 1.000 pessoas na África Austral é afetada, região essa onde Moçambique se encontra.

Embora nem todas as pessoas com albinismo tenham uma deficiência, o déficit de melanina pode resultar em visão subnormal e aumento da vulnerabilidade à radiação solar ultravioleta. Pessoas com albinismo que vivem na África Subsaariana têm cerca de 1.000 vezes mais chances de desenvolver câncer de pele do que a população em geral

Em 2012, Moçambique ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), que garante o direito à educação inclusiva e de qualidade. Isto implica garantir que as crianças com e sem deficiência aprendam juntas em sala de aula, em um ambiente inclusivo, com instalações adequadas.

 

 

Medo da violência

No final de 2014, houve uma onda de ataques a pessoas com albinismo em Moçambique, o que incluiu sequestros e tráfico de pessoas. Em seu auge em 2015, a especialista independente da ONU para os direitos humanos de pessoas com albinismo recebeu relatos de grupos não-governamentais sobre mais de 100 ataques apenas naquele ano. A crença em bruxaria é uma das principais causas dos ataques, disse a especialista independente. Os agressores creem que as partes de corpo de pessoas com albinismo poderiam atrair riqueza e boa sorte.

Embora os relatos de ataques e sequestros tenham diminuído, as famílias de crianças com albinismo ainda vivem com medo, algumas mantendo suas crianças fora da escola. O relato mais recente de um ataque foi o sequestro de uma menina de 11 anos em maio, no distrito de Murrupula, na província de Nampula. Posteriormente, ela foi encontrada morta, com seus membros dilacerados.

João, um jovem de 19 anos do distrito de Angónia, contou à Human Rights Watch que por volta de 2015, ele deixou de ir às aulas por medo de ser sequestrado durante o longo caminho de sua casa à escola. Ele disse que às vezes ele era seguido por pessoas. Outras o chamavam de "dinheiro" e de "negócio", referindo-se ao valor das partes do seu corpo. A família de João foi à polícia depois que agressores supostamente tentaram recrutar um amigo de João para que os ajudasse a sequestrá-lo.

"Meu sonho era ser professor", disse ele. "É um bom trabalho. Ainda tenho esse sonho, mas não posso ir à escola". Hoje, João trabalha no campo com seu pai, plantando feijão e milho. O trabalho é duro e doloroso porque o sol fere sua pele.

O governo de Moçambique deve intensificar seus esforços para dissipar mitos fatais sobre o albinismo, incluindo por meio de workshops e projeções de filmes ao ar livre na língua local, particularmente em comunidades rurais e isoladas como as de Tete, onde o acesso à televisão e rádio é restrito devido à falta de eletricidade.

 

 

 

Obstáculos na escola

As crianças com albinismo enfrentam inúmeros obstáculos na escola, incluindo bullying por parte dos alunos, e por vezes de professores, pouca ou nenhuma instalação adequada à sua baixa visão e exigências de participação em aulas de educação física ao ar livre sem a devida proteção contra o sol.

A Human Rights Watch constatou que, nas escolas da província de Tete, os alunos com albinismo que têm visão subnormal não têm acesso a materiais de aprendizagem apropriados, tais como livros didáticos impressos em letras grandes, tempo extra durante as provas ou disposição de cadeiras próximas à lousa.

Fátima, de 20 anos, disse que abandonou a escola na 5ª série depois de professores insensíveis a terem maltratado.

Quando ela tentava se sentar à frente da turma para melhor enxergar a lousa, uma professora gritava: "Sua albina, fica onde estás", disse ela. O pai de Fátima se queixou à escola, mas isso só piorou as coisas. "Quando a professora me dizia essas coisas, isso permitia que os alunos fizessem igual. Não havia consequências para nenhum deles", disse Fátima.

O governo deve garantir que todos os professores do sistema público de educação sejam sensíveis às necessidades de crianças com albinismo e que sejam treinados para atender adequadamente às suas necessidades. As escolas devem ter recursos para satisfazer necessidades delas, incluindo livros didáticos e exames com letras maiores, e dispositivos de apoio para leitura do quadro negro, disse a Human Rights Watch.

 

Resposta do governo

Nos últimos anos, o governo de Moçambique adotou medidas importantes para proteger as pessoas com albinismo, incluindo a adoção, em 2015, de um Plano de Ação abrangente para tratar da violência contra pessoas com albinismo. O plano inclui medidas para promover a educação e conscientização sobre o albinismo entre famílias e comunidades. No entanto, defensores dos direitos humanos em Maputo disseram que, embora tenham participado na elaboração do plano, o governo não os incluiu na execução do plano, o que reduziu a sua eficácia. Os defensores também continuam preocupados com a falta de um orçamento específico para o plano, o que prejudica seriamente sua efetiva implementação.

Durante a Cúpula Global sobre Deficiência, em 2018, na Grã-Bretanha, Moçambique comprometeu-se a criar políticas e planos de educação inclusiva, incluindo a implementação de uma estratégia nacional para a educação inclusiva. A proposta mais recente de uma estratégia para a educação inclusiva não mencionava as crianças com albinismo, mas o Ministério da Educação prometeu revê-la para incluir um texto sobre o albinismo.

Como prioridade, o governo de Moçambique deve também implementar as recomendações definidas no Plano de Ação Regional sobre o Albinismo em África, a primeira estratégia continental para abordar as violações contra as pessoas com albinismo. O plano, recomendado pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos em 2017, contém uma série de medidas imediatas e de longo prazo centradas na proteção, prevenção, responsabilização e não discriminação.

"Ao adotar medidas para garantir que as crianças com albinismo possam ter acesso à educação de forma significativa enquanto continua a investigar e responsabilizar os responsáveis pelos ataques, Moçambique tem a oportunidade de mostrar ainda mais o seu compromisso em garantir a segurança, a inclusão e a dignidade das pessoas com albinismo", disse Shantha Rau.

Your tax deductible gift can help stop human rights violations and save lives around the world.

Região/País

Mais vistos