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Detentos alinhados durante uma operação de segurança, sob a vigilância da polícia na prisão de Izalco em San Salvador, El Salvador, em 25 de abril de 2020.

Se uma pessoa estivesse procurando espalhar o coronavírus, ela agruparia muitos indivíduos em espaços apertados, pouco higiênicos, com baixa ventilação, acesso irregular à água corrente, atendimento médico deficiente e poucos testes para saber quem foi infectado. Em outras palavras, essa pessoa abriria uma prisão na América Latina ou no Caribe.

O distanciamento social é impossível em sistemas prisionais como o do Haiti, Bolívia, Guatemala, El Salvador e Honduras, onde as taxas de encarceramento variam de 200 a 400% da capacidade oficial.

No caso de um surto dentro de uma prisão, a superlotação e as condições sanitárias precárias poderiam levar a uma rápida disseminação do vírus, com consequências terríveis não apenas para os presos, mas também para os funcionários e a população em geral.

A redução imediata da superlotação é essencial para evitar infecções generalizadas.

Enquanto os primeiros casos de Covid-19 se confirmavam na América Latina e no Caribe, a maioria dos países sequer tentou assegurar um distanciamento significativo para proteger os 1,7 milhão de pessoas encarceradas na região. Em vez disso, muitos optaram por agir como se pudessem isolar completamente o contato das prisões com o mundo exterior, suspendendo por tempo indeterminado as visitas e as permissões de saída. Obviamente, funcionários e prestadores de serviço vão e vêm, e novos presos chegam todos os dias. Sem programas de testagem robustos, era só uma questão de tempo até que vírus se infiltrasse atrás das grades.

E assim aconteceu. O Chile já tem cerca de 700 casos confirmados entre presos e funcionários das prisões; o Brasil tem mais de 900; a Colômbia, mais de 1.000; e o Peru cerca de 1.500. A Covid-19 deixou, pelo menos, 160 presos e agentes penitenciários mortos em toda a região – quase três quartos deles apenas no Peru.

A verdadeira extensão da disseminação da Covid-19 dentro das unidades prisionais da América Latina e do Caribe é desconhecida devido à falta de testes em muitos países. No Brasil, que tem 746.000 presos – a terceira maior população carcerária do mundo – apenas 0,4% foram testados.

Não é de surpreender que os presos tenham se manifestado em toda a região para exigir proteção. Desde março, pelo menos 54 pessoas presas morreram e centenas foram feridas em protestos na Colômbia, Venezuela, Argentina e Peru. Os presos dizem que não têm sabão ou cuidados médicos adequados e que, com as visitas suspensas, seus parentes não podem mais lhes trazer alimentos e produtos de higiene.

Alguns países adotaram medidas iniciais importantes para diminuir a superlotação nas prisões. O Chile garantiu prisão domiciliar a cerca de 1.600 pessoas – mais de 5% dos cerca de 29.000 presos condenados – e o judiciário liberou cerca de 10% dos 13.000 presos provisórios, segundo a Defensoria Pública do país.

São idosos, mulheres grávidas e mulheres com filhos pequenos – todos condenados por crimes de baixa gravidade – de acordo com a lei chilena, somente juízes individualmente, e não o governo, podem tomar decisões sobre a liberação dos 14.000 presos provisórios existentes.

No Brasil, juízes liberaram 30.000 pessoas – cerca de 4% da população carcerária – em resposta a uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça, informou o órgão à Human Rights Watch. Por outro lado, o governo Jair Bolsonaro se opõe às liberações e insiste, sem sucesso, em usar contêineres para isolar alguns deles. Uma proibição ao uso de contêineres foi estabelecida após críticas em 2010 por conta das condições desumanas neste tipo de habitação improvisada nas prisões.

Em outros países, a quantidade de liberações foi consideravelmente inferior. Juízes na Argentina e Honduras liberaram ou concederam prisão domiciliar a cerca de 1% da população carcerária. No México, juízes liberaram cerca de 2.000 pessoas – também cerca de 1% da população carcerária – a pedido dos governos estaduais. No Peru, foram liberados 1.067 dos 97.000 presos. Na Colômbia apenas 566 dos 122.000 presos e a Bolívia, apenas 2, dos mais de 18.000, segundo um juíz.

Em El Salvador, os juízes estão considerando a liberação de 557 idosos, de cerca de 38.000 detidos. Na Guatemala, autoridades do sistema judiciário se comprometeram em conceder liberação antecipada, mas não forneceram dados. No Equador, os juízes prometeram apenas acelerar os procedimentos para a liberação antecipada de detentos, enquanto o governo afirmou que perdoaria "muito poucos" presos.

Os governos têm a obrigação de proteger a saúde das pessoas que mantêm sob sua custódia. No contexto da Covid-19, isso significa que eles precisam garantir que o distanciamento social seja viável. Com as poucas liberações que ocorreram até agora, a maioria das prisões latino-americanas permanecem superlotadas.

A redução da superlotação pode ser realizada de maneira legal e segura, buscando ao mesmo tempo proteger a segurança pública. E isso pode ajudar a prevenir as rebeliões nas prisões por causa – entre outras deficiências – da falta de ação contra a rápida disseminação do coronavírus.

As autoridades devem se concentrar na redução das prisões provisórias – o que representa 37% de todas as pessoas encarceradas na região – liberando aqueles que aguardam julgamento por crimes não violentos. Devem priorizar também a liberação de condenados por crimes não-violentos cujas sentenças se aproximam do fim.

Ademais, enquanto a atual emergência de saúde durar, autoridades devem considerar liberar os presos expostos a maior risco de doença grave ou morte por Covid-19 – idosos, gestantes e jovens e pessoas com certas doenças crônicas. Devem também avaliar situação de todas as crianças e adolescentes presos e das pessoas responsáveis pelo cuidado de crianças ou de outras pessoas para uma possível liberação. As decisões, nesses casos, levariam em conta fatores como o tempo de pena cumprido, a gravidade do crime e o risco que a liberação representaria à segurança pública. As autoridades podem determinar se devem impor condições como tornozeleiras eletrônicas ou prisão domiciliar para monitorar os presos liberados.

Governos e autoridades judiciais precisam agir com urgência. É uma questão de vida ou morte, não apenas para pessoas nas prisões, mas também para a população em geral.

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