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Faixa de desmatamento na floresta amazônica registrada durante a Operação do Ibama Brigada Verde, Rondônia, Agosto de 2019 © 2019 Vinícius Mendonça/Ibama

Na cúpula do Mercosul, realizada virtualmente na última semana, o presidente Jair Bolsonaro reiterou o desejo de seu governo de finalizar o acordo comercial com a União Europeia. Um número crescente de líderes europeus, entretanto, tem levantado dúvidas sobre o acordo, uma vez que as políticas anti-ambientais de Bolsonaro têm prejudicado a capacidade do Brasil de proteger a Amazônia.

Temos nos reunido com autoridades de alto nível em toda a Europa e nesta semana encaminhamos uma carta pública com uma mensagem simples: suas dúvidas são totalmente justificadas, mas é hora de deixar claro quais as medidas que o Brasil poderia adotar para satisfazê-las.

O tratado de livre comércio UE-Mercosul, cuja negociação foi concluída no ano passado, inclui compromissos para combater o desmatamento e respeitar o acordo de Paris sobre o clima. No entanto, Bolsonaro não demonstra interesse algum em honrar quaisquer um desses compromissos. Ao contrário, ele tem atacado líderes europeus que sugerem que deveria fazê-lo. Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU em 2019, Bolsonaro denunciou o "espírito colonialista" desses líderes, alegando que eles "questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania!"

Preocupações com a destruição da Amazônia não são, de fato, uma imposição europeia. O Brasil já foi líder global em conservação florestal. Entre 2004 e 2012, um esforço conjunto do governo e de brasileiros de vários setores—incluindo membros de comunidades indígenas, grupos ambientalistas e empresas privadas—levou a uma redução de 80% no desmatamento. Mas a partir de 2012, cortes no orçamento e retrocessos em políticas públicas enfraqueceram os órgãos de proteção ambiental, e o desmatamento voltou com força.

A retomada do desmatamento tem sido impulsionada por violentas redes criminosas contra as quais o governo Bolsonaro tem vergonhosamente fracassado em agir, como é seu dever, para proteger os brasileiros. O relatório de 2019 da Human Rights Watch “Máfias do Ipê: Como a Violência e a Impunidade Impulsionam o Desmatamento na Amazônia brasileira” documentou como essas redes criminosas ameaçam, atacam e matam agentes ambientais, indígenas e outros moradores locais que estejam em seu caminho. Os assassinos raramente são levados à justiça.

O verdadeiro conflito em relação à Amazônia, em outras palavras, não é entre a soberania brasileira e o ambientalismo europeu, mas sim entre redes criminosas que devastam a floresta e cidadão brasileiros que tentam impedi-las, incluindo indígenas e outros moradores, agentes ambientais, policiais, mebros do Ministério Público e outros defensores da floresta. 

Bolsonaro tem, na prática, ficado ao lado das máfias. Ele tem sabotado os já enfraquecidos órgãos ambientais e marginalizado grupos ambientalistas. Não surpreende que o desmatamento tenha aumentado em mais de 80% no ano passado e continuem subindo este ano, de acordo com alertas em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Também não surpreende que as ameaças contra os defensores da floresta tenham aumentado.

A União Europeia tem amplos motivos para apoiar os defensores da floresta no Brasil. Cientistas dizem que o desmatamento descontrolado está rapidamente empurrando a Amazônia a um "ponto de inflexão" irreversível, em que deixará de servir como "reservatório de carbono" e liberará grandes quantidades de carbono armazenado. O resultado agravará a crise climática que ameaça tanto os europeus como os brasileiros. Além disso, o “Green Deal”, adotado pela União Europeia no começo do ano, inclui o compromisso de garantir que sua política comercial contribua para a redução do desmatamento em sua cadeia de produção e para os esforços globais de contenção de mudanças climáticas.

Os compromissos ambientais do acordo UE-Mercosul foram negociados com essas preocupações em mente.  Qual sentido faria aos europeus ratificarem este acordo quando Bolsonaro está ativamente desmantelando a capacidade do Brasil de cumprir esses compromissos —e acelerando o processo rumo ao "ponto de inflexão", em que esse cumprimento poderia se tornar impossível?

Ao invés disso, a UE deveria mandar uma mensagem clara e categórica a Bolsonaro de que a ratificação não pode ser considerada até que o Brasil mostre que está pronto para cumprir seus compromissos ambientais. Para essa avaliação, a UE deveria estabelecer parâmetros claros, com base em resultados concretos, não em planos ou propostas.

Esses parâmetros devem abordar os problemas interrelacionados que estão no centro da crise na Amazônia: violência e desmatamento. Um desses parâmetros deve ser que o governo brasileiro mostre progresso substancial no combate à impunidade pela violência contra defensores da floresta, e deve ser medido pelo número de casos investigados, processados ​e levados a julgamento. Um segundo deve ser uma redução efetiva nas taxas de desmatamento que seja suficiente para colocar o país de volta nos trilhos para cumprir suas próprias metas no âmbito  do Acordo de Paris.

Insistir que o Brasil precisa respeitar suas próprias leis não é uma imposição “colonialista”, e sim uma maneira de apoiar os brasileiros na defesa de suas próprias leis. De fato, trata-se de precaução que a própria Associação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Observatório do Clima, a maior coalizão de grupos ambientais no Brasil, evocaram em apelos feitos à Europa. E seria totalmente consistente com o compromisso com uma política comercial alinhada às medidas ambientais sobre mudança climática sob o “Green Deal” da Europa.

Seria também consistente com a realidade política. A oposição ao acordo está crescendo na Europa, em grande parte citando o histórico anti-ambiental de Bolsonaro. Se o Brasil não conseguir mudar sua política sobre a Amazônia em breve, a ratificação pode se provar impossível.

 

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