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Mortes e abusos em operação policial no estado do Amazonas

Polícia federal deve proteger direitos dos indígenas e populações tradicionais

Área urbanada cidade Nova Olinda do Norte, Estado do Amazonas, julho de 2020 © Prefeitura municipal de Nova Olinda do Norte

A polícia federal deve imediatamente enviar agentes para proteger os povos indígenas e populações tradicionais, e coletar toda evidência dos abusos denunciados durante uma operação da polícia militar, que continua em andamento no estado do Amazonas, disse hoje a Human Rights Watch. Uma juíza federal ordenou o envio de efetivos da polícia federal no dia 7 de agosto de 2020.

O Ministério Público Federal recebeu denúncias de mortes de indígenas que teriam sido cometidas por policiais militares do Estado do Amazonas no contexto de uma operação, que começou em 4 de agosto em Nova Olinda do Norte. Os procuradores receberam evidências, que a Human Rights Watch também teve acesso, de outros abusos supostamente cometidos durante a operação, incluindo invasão de casas sem mandado, ameaças de morte e um caso de tortura.

“A polícia federal deve imediatamente enviar efetivos para investigar as graves denúncias de abusos contra indígenas e ribeirinhos”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch para o Brasil. “É extremamente importante que medidas imediatas e efetivas sejam tomadas para proteger a população local de novas violações de direitos humanos e de quaisquer represálias da polícia militar pelas denúncias dos abusos cometidos”.

Indígenas Munduruku relataram ao Ministério Público Federal que dois irmãos da Terra Indígena Coatá-Laranjal desapareceram no dia 5 de agosto quando viajavam de canoa até Nova Olinda do Norte, segundo documentação e mensagens de áudio gravadas, revisadas pela Human Rights Watch. Líderes indígenas disseram que a polícia atirou nos irmãos de uma embarcação, sem provocação. O corpo de um deles foi encontrado boiando no rio no dia 6 de agosto.

Os procuradores federais informaram que receberam relatos, não confirmados, de que outras cinco pessoas teriam sido mortas pela polícia do estado do Amazonas em Nova Olinda do Norte. A Secretaria do Estado do Amazonas confirmou uma morte, de um homem que teria atirado contra os policiais.

Em 7 de agosto, uma juiza ordenou que o governo federal envie a polícia federal à região para proteger os indígenas e populações tradicionais e ordenou que o governo do estado do Amazonas se abstenha imediatamente de impedir a circulação dos povos indígenas e ribeirinhos ao longo do rio Abacaxis.

Os fatos que motivaram a operação da polícia militar começaram no dia 23 de julho, quando dois barcos de pesca particulares chegaram no rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte, no Amazonas. Um dos barcos, o Arafat, transportava o secretário estadual de Desenvolvimento Social do Amazonas, Saulo Moyses Rezende da Costa.

Uma liderança ribeirinha local, que atua com servidores públicos para fazer cumprir os regulamentos de pesca na região embarcou no Arafat e verificou que ele não tinha autorização para pescar na área, o procurador federal e a liderança afirmaram à Human Rights Watch. A área é parte de dois projetos de assentamento agroextrativista, criados pelo órgão federal de reforma agrária (INCRA), por meio dos quais ribeirinhos e indígenas  Maraguá têm uso coletivo da terra e só podem realizar atividades econômicas ecologicamente sustentáveis .

Mesmo assim, o barco continuou no rio em direção à comunidade Terra Preta. Lá, alguém, não identificado, atirou no barco, causando um ferimento leve no Secretário Costa. As autoridades acreditam que traficantes que operam na comunidade atiraram no secretário de Estado.

Em 3 de agosto, o Arafat e dois outros barcos particulares voltaram ao rio Abacaxis, transportando cerca de 10 policiais militares estaduais à paisana, para descobrir quem atirou em Costa, informou o Ministério Público Federal. Houve um tiroteio em Terra Preta e, segundo a secretaria estadual de Segurança Pública, dois policiais foram mortos e outros dois feridos.

Em resposta, o Estado do Amazonas enviou 50 policiais militares para a região, incluindo o coronel Ayrton Norte, comandante da Polícia Militar do Estado.

Um líder comunitário local contou à Human Rights Watch e ao Ministério Público Federal que, no dia 4 de agosto, policiais militares o levaram a um hotel em Nova Olinda, onde dois deles o espancaram no estômago e no rosto por cerca de 30 minutos. Aproximadamente 10 policiais estariam presentes. Eles exigiram que o líder comunitário desse informações sobre os responsáveis pela morte dos dois policiais, mas ele afirmou não saber de nenhum informação.

Então, os policiais o levaram para a embarcação Arafat, que estava atracada em Nova Olinda, afirmou a liderança. Um procurador federal disse à Human Rights Watch que os policiais podem ter ficado com receio que o barulho e os gritos do homem chamassem atenção no hotel. No caminho, o líder comunitário pediu ajuda à recepcionista do hotel e a um mototáxi, que alertou seus familiares. “Eles iam me matar se eu não falo com o mototáxi”, disse o líder comunitário à Human Rights Watch.

Segundo os relatos do líder comunitário, os policiais lhe bateram de novo no Arafat e colocaram um saco plástico sobre sua cabeça várias vezes até que ele ficasse prestes a desmaiar por falta de ar. Um dos homens puxou um canivete e ameaçou cortar seus órgãos genitais.

Depois de uma hora de tortura, os policiais o colocaram em um carro, onde continuaram a espancá-lo  e finalmente o deixaram ir com um aviso: “Se tu não falar para ninguém, vai ficar vivo, se falar, tu vai morrer. ”

Ele decidiu denunciar o ocorrido à polícia civil do estado do Amazonas. Mas a polícia civil se negou a registrar a denúncia. Ele disse acreditar que não queriam investigar a polícia militar. Em seguida, o líder comunitário relatou o que havia acontecido com ele a um procurador federal, que ingressou com um pedido de habeas corpus solicitado proteção federal para ele. A juiza não se pronunciou sobre o assunto.

A juiza encaminhou a petição do Ministério Públido Federal às autoridades do estado do Amazonas. O líder comunitário acredita que divulgar seu caso, uma vez que a polícia civil e as autoridades estaduais já conhecem suas denúncias, pode lhe oferecer alguma proteção.

Os programas federais de proteção dos defensores dos direitos humanos e auxilio as vítimas e testemunhas ameaçadas deveriam fornecer proteção imediata ao líder comunitário, disse a Human Rights Watch.

O Ministério Público Federal e a Human Rights Watch também receberam depoimentos de moradores que afirmaram que, desde 4 de agosto, policiais militares entraram em suas casas sem mandado, apontaram armas e ameaçaram matá-los. A polícia também teria roubado comida e centenas de litros de gás para suas embarcações e confiscado telefones celulares que teriamsido usados para registrar abusos. Além disso, a polícia estaria restringido o trânsito ao longo do rio Abacaxis, impedindo o transporte de alimentos e outros suprimentos para as comunidades ao longo do rio.

“As mortes e ferimentos de policiais devem ser investigados exaustivamente, mas essa investigação nunca deveria se transformar em uma forma de aterrorizar as comunidades locais e violar seus direitos”, disse Canineu. “A polícia militar deve cumprir a lei, não violá-la e, se cometer abusos, deve ser responsabilizada.”

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