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© 2020 Nelson Almeida/AFP através da Getty Images

(Nova York) – Os governos devem ampliar o acesso à vacina contra Covid-19 para todas as pessoas ao redor do mundo, e os responsáveis pelo financiamento das vacinas com dinheiro público deveriam ser transparentes sobre os termos e condições desse financiamento, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje.

Os governos deveriam apoiar a proposta da Índia e da África do Sul de dispensar alguns aspectos das regras globais sobre propriedade intelectual (PI) para permitir a fabricação em grande escala e tornar as vacinas acessíveis para todos.

O relatório de 77 páginas, “'Quem encontrar a vacina deve compartilhá-la': Fortalecendo os direitos humanos e a transparência sobre as vacinas contra Covid-19”, examina três barreiras significativas para o acesso universal e equitativo a qualquer vacina considerada segura e eficaz: transparência, distribuição e custo. A Human Rights Watch ressalta a obrigação de direitos humanos dos governos em garantir que os benefícios de pesquisas científicas financiadas com dinheiro público sejam compartilhados da maneira mais ampla possível a fim proteger a vida, a saúde e o sustento da população. A Human Rights Watch também argumenta que usar dinheiro público sem apresentar  os termos e condições de uso desse financiamento prejudica os princípios de direitos humanos de transparência e prestação de contas. Os governos deveriam tomar medidas para maximizar a disponibilidade e a acessibilidade a vacinas seguras e eficazes, e minimizar os custos para países de baixa e média renda.

“É urgente que os governos se unam, sejam transparentes e cooperem para compartilhar os benefícios das pesquisas científicas que financiam, para ajudar a humanidade”, disse Aruna Kashyap, advogada sênior sobre empresas e direitos humanos da Human Rights Watch e co-autora do relatório. “Mais de um milhão de pessoas morreram e se calcula que outro milhão morrerá até o final do ano. Os governos deveriam usar seu poder regulatório e de financiamento para garantir que o lucro corporativo não determine quem irá receber as vacinas”.

O acesso universal e equitativo a uma vacina segura e eficaz contra Covid-19 é fundamental para prevenir o agravamento da doença e a morte, ao mesmo tempo que protege os meios de subsistência, possibilita que as crianças voltem às escolas e permite a recuperação econômica. Como outras doenças infecciosas, a Covid-19 pode se espalhar rapidamente além das fronteiras. As futuras vacinas podem não fornecer imunidade duradoura, deixando os países potencialmente vulneráveis ​​a ciclos sazonais ou ondas de infecção.  O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse que uma forte cooperação internacional em relação às vacinas contra Covid-19 poderia acelerar a recuperação econômica global e agregar 9 trilhões de dólares à economia global até 2025. Um movimento crescente de defensores, incluindo sobreviventes da Covid-19 e familiares daqueles que faleceram, estão pedindo uma “vacina do povo”.

A Human Rights Watch entrevistou especialistas em acesso a medicamentos, propriedade intelectual e direitos humanos, analisou a legislação internacional de direitos humanos, leis e políticas nacionais de vários países, e uma vasta gama de documentos públicos e fontes secundárias. O relatório baseia-se em mais de seis meses de pesquisa a nível mundial sobre os impactos da pandemia em diferentes populações, incluindo profissionais de saúde.

“Não quero nem pensar quando as pessoas realmente pobres e vulneráveis receberão as vacinas”, disse à Human Rights Watch uma enfermeira de uma ala para pacientes da Covid-19 em um hospital público em Karachi, Paquistão. “Primeiro serão a administração do hospital, os médicos e os políticos. Todos os demais depois, se sobrar algo”.

Os governos estão usando dinheiro público para financiar as vacinas contra Covid-19 em uma escala sem precedentes. Em meados de setembro, o centro de estudos Policy Cures Research (PCR), com sede na Austrália, estimou que os governos haviam gasto mais de 19 bilhões de dólares para pesquisas, desenvolvimento, fabricação e distribuição das vacinas contra Covid-19. Os governos que mais financiaram vacinas eram os EUA, Alemanha, Reino Unido e Noruega, além da Comissão Europeia. Em 13 de outubro, o Banco Mundial aprovou 12 bilhões de dólares em financiamento para testes, tratamentos e vacinas da Covid-19.

No entanto, a falta quase total de transparência em relação ao financiamento público e das condições de esse financiamento dificulta a compreensão das implicações para o acesso global à vacina. Alguns governos estão negociando diretamente acordos bilaterais não transparentes com empresas farmacêuticas ou outras entidades para reservar futuras doses de vacinas, principalmente para seu uso exclusivo. Em setembro de 2020, a Oxfam International relatou que os países de alta renda já reservaram 51% das doses de várias vacinas com pesquisas avançadas, embora esses países representem apenas 13% da população mundial.

Esses acordos comprometem o acesso universal e equitativo a nível mundial a qualquer vacina considerada segura e eficaz, especialmente para países de baixa e média renda. Os governos que utilizam dinheiro público para vacinas contra a Covid-19 deveriam prestar contas à população e publicar o que financiaram e suas condições, disse a Human Rights Watch.

As preocupações com a escassez de vacinas também permanecem sem resposta. É previsto que a demanda global de uma vacina segura e eficaz excederá em muito a oferta. Em 19 de outubro, dez vacinas candidatas estavam na fase final dos testes clínicos. Aquelas que provarem ser seguras e eficazes deveriam ser fabricadas na maior escala possível para torná-las amplamente disponíveis.

Os governos deveriam tomar todas as medidas, incluindo o uso de seu financiamento e sua autoridade regulatória para exigir que os desenvolvedores de vacinas transfiram tecnologia e compartilhem a propriedade intelectual, os dados e o conhecimento por trás de suas inovações por meio de licenciamento aberto e não exclusivo. Isso é especialmente importante porque só um pequeno grupo de países tem experiência ou conhecimento na fabricação de vacinas.

A maioria dos governos, especialmente aqueles de países de alta renda, ignoraram, negaram ou minimizaram as barreiras que as regras de propriedade intelectual constituem para dar escala à produção da vacina, apesar do número crescente de governos de baixa e média renda, advogados de propriedade intelectual e ações judiciais que tem chamado a atenção para essas barreiras.

Os governos deveriam apoiar a proposta da Índia e da África do Sul de dispensar regras chave de propriedade intelectual no âmbito do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS, em inglês). Os governos deveriam usar seus poderes regulatórios para exigir que as empresas compartilhem os direitos de propriedade intelectual por meio de licenciamento aberto e não exclusivo.

Em maio, o governo da Costa Rica encabeçou uma campanha com a Organização Mundial da Saúde pela criação da Covid-19 Technology Access Pool (C-TAP) – iniciativa de compartilhamento de tecnologias, dados e conhecimento que todos ao redor do globo poderão usar para fabricar quaisquer produtos de saúde necessários para combater a Covid-19, incluindo vacinas. Todos os governos deveriam aderir à iniciativa e tomar medidas urgentes para implementá-la. Os governos também deveriam cooperar urgentemente para mapear a capacidade de fabricação de vacinas.

O preço da vacina também pode ser uma barreira significativa ao acesso universal e equitativo. Em muitos lugares, as vacinas só serão acessíveis para todos se forem gratuitas. Os governos deveriam garantir que o dinheiro público seja usado para o benefício público e não para gerar lucros privados, e trabalhar para minimizar o custo para países de baixa e média renda. Eles deveriam exigir que as empresas adotem preços transparentes, verificados por auditorias externas, disse a Human Rights Watch.

Alguns governos estão financiando o COVAX Facility, um mecanismo global de aquisição de vacinas para ajudar os países de baixa e média renda a garantir vacinas. A iniciativa ainda não publicou os contratos que assinou com as empresas. Os governos participantes deveriam garantir que as decisões da iniciativa estejam alinhadas com as obrigações de direitos humanos dos governos e os princípios do C-TAP da OMS.

“Você não pode lutar contra uma pandemia global permitindo que vacinas com financiamento público sejam vendidas pelo preço mais alto estabelecido pelas empresas farmacêuticas”, disse Margaret Wurth, pesquisadora sênior de direitos da criança da Human Rights Watch e co-autora do relatório. “Quando se encontre uma vacina segura e eficaz, ela deve estar disponível e acessível para todos, em qualquer lugar do mundo”.

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