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Brasil: risco à educação de crianças com deficiência

Nova política nacional incentiva a segregação escolar

Uma mãe com sua filha adotiva de 3 anos que tem deficiência de desenvolvimento. © 2017 Human Rights Watch

(São Paulo) - Um decreto presidencial recente pode prejudicar os direitos das crianças com deficiência a uma educação de qualidade e inclusiva, disse a Human Rights Watch hoje. A Human Rights Watch apresentou dois amicus curiea no Supremo Tribunal Federal, que analisa dois processos diferentes contestando o decreto.

O Decreto 10.502/2020 que institui a Política Nacional de Educação Especial, promulgado em 30 de setembro, coloca em risco leis e políticas existentes que garantem que pessoas com deficiência possam estudar no sistema regular de ensino. Aparentemente o decreto foi projetado para incentivar a criação de um sistema paralelo de escolas especiais e para direcionar as crianças com deficiência a elas, quando rotuladas de “educandos (...) que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos”.

“As pessoas não devem ser impedidas ou desencorajadas de frequentar escolas em suas comunidades por serem pessoas com deficiência”, disse Carlos Ríos Espinosa, pesquisador sênior sobre direitos de pessoas com deficiência e porta-voz da Human Rights Watch. “Este novo decreto representa um risco e pode prejudicar o importante progresso do Brasil para garantir a educação inclusiva.”

Dois questionamentos ao decreto estão pendentes no Supremo Tribunal Federal. No amicus de 17 páginas apresentado ao tribunal em cada um dos casos, a Human Rights Watch explica porque o decreto ameaça os direitos das pessoas com deficiência à educação inclusiva e de qualidade, em igualdade de condições com as demais. O decreto contém várias disposições que podem permitir a discriminação e exclusão de crianças com deficiência do sistema geral de ensino. Em vez de aperfeiçoar as adaptações para garantir que a educação inclusiva seja eficaz, o decreto incentiva as autoridades estaduais e municipais a estabelecerem escolas especializadas ou turmas separadas nas escolas regulares para estudantes com deficiência.

O decreto também requer o desenvolvimento de critérios para identificar “educandos que não se beneficiam das escolas regulares inclusivas”. Isso abre a possibilidade para as autoridades usarem o decreto para justificar a exclusão de algumas crianças das escolas regulares e exigir ou pressioná-las a frequentar escolas ou salas de aula especiais.

O governo brasileiro falhou em consultar as pessoas com deficiência antes de promulgar este decreto. De acordo com a legislação brasileira e internacional, o governo deve manter consultas estreitas com pessoas com deficiência no desenvolvimento de políticas relacionadas a elas e à proteção de seus direitos.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Human Rights Watch obteve a “exposição de motivos” do decreto. A Secretaria-Geral da Presidência da República, o Ministério da Educação e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos participaram da redação do decreto. A exposição de motivos deixa claro que o governo não consultou pessoas com deficiência, incluindo crianças com deficiência,  sobre o decreto.

O governo afirma ter realizado uma pesquisa online em 2018, mas essa pesquisa não buscou de forma significativa as opiniões específicas das pessoas com deficiência. Das 8.329 respostas, apenas 47 (0,6 por cento) eram de estudantes beneficiários de educação inclusiva. E os entrevistados não manifestaram que queriam ter uma educação segregada.

O Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) em 2008. O tratado tem caráter constitucional, o que significa que todos os direitos que ele garante também devem ser assegurados pela legislação brasileira. Isso inclui o direito à educação de qualidade e inclusiva em igualdade de condições com os demais e à adaptações razoáveis, ou apoio, para facilitar sua educação de forma significativa.

Um sistema de educação inclusivo apoia a participação plena e efetiva, acessibilidade, frequência e desempenho de todos os estudantes, especialmente aqueles que correm o risco de serem excluídos ou marginalizados. O sistema educacional deve fornecer uma resposta individualizada, em vez de esperar que os estudantes se encaixem no sistema.

O direito à não discriminação na educação inclui o direito à não ser segregado. A segregação ocorre quando a educação para estudantes com deficiência é fornecida em ambientes separados, como escolas especiais, isolados dos estudantes sem deficiência. A segregação também ocorre quando se coloca uma crianças com deficiência em salas de aula separadas dentro das escolas regulares.

“O novo decreto é um risco a inclusão das crianças com deficiência ao incentivar a segregação através de escolas e salas de aula separadas e vai além quando permitir que as autoridades classifiquem as crianças com deficiência como impróprias para o ensino geral”, disse Ríos Espinosa. “Este decreto é um grande passo na direção contrária aos direitos das pessoas com deficiência”.

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