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Primeiro-ministro de Portugual, António Costa, em uma coletiva de imprensa no centro Cultural de Belém, em Lisboa, 15 de janeiro de 2021. © 2021 Pedro Fiúza/NurPhoto via AP

Os seis meses da Alemanha na presidência da União Europeia (UE) terminaram com nota baixa quanto ao Estado de Direito no bloco. Podemos esperar que os seis meses de Portugal à frente da UE sejam melhores?

Portugal acaba de assumir a presidência rotativa da UE. É motivador saber que o Governo incluiu “defender e consolidar o Estado de Direito e a democracia” na UE como uma das suas principais prioridades. O primeiro-ministro, António Costa, também destacou, correctamente, que a UE deve ser “uma união de valores”.

Até agora, tudo parece ir bem. Porém, será necessário mais do que boas intenções para pôr fim à grave erosão das salvaguardas democráticas e do Estado de Direito na UE.

A situação é crítica. Na Hungria, o governo de Viktor Orbán enfraqueceu a actuação dos tribunais, restringiu a liberdade e o pluralismo da imprensa, criminalizou actividades legítimas da sociedade civil, assumiu o controlo de universidades e promoveu a homofobia e a misoginia. Em plena pandemia global, ele fez uso dos ilimitados poderes do estado de emergência para editar centenas de decretos, incluindo vários sem nenhuma relação com a saúde pública, como limitando a liberdade de expressão. Contrariamente às suas obrigações como membro da UE, a Hungria, sob o governo actual, recusa-se abertamente a implementar decisões vinculativas do Tribunal de Justiça da UE exigindo que o país reforme a sua deficiente legislação sobre refúgio e cesse a obstrução ao financiamento internacional de organizações da sociedade civil.

Na Polónia, várias reformas comprometeram seriamente todos os níveis do judiciário do país, a ponto de alguns Estados da UE deixarem de extraditar suspeitos para a Polónia. As autoridades polacas recorrem a procedimentos disciplinares para silenciar juízes que são críticos do governo ou que implementam a legislação da UE quando esta vai contra as políticas governamentais. Em Outubro, o Tribunal Constitucional – um tribunal cuja independência e legitimidade foram comprometidas – fez a vontade do governo ao apoiar a proibição quase total do acesso ao aborto seguro, enfraquecendo os direitos básicos de meninas e mulheres e provocando os maiores protestos no país desde 1989. Pessoas LGBT enfrentam assédio e prisões sob falsas acusações.

Estes problemas atingiram o auge no final do ano passado, quando líderes húngaros e polacos ameaçaram vetar o orçamento da UE e o plano de recuperação da pandemia de covid se o acesso aos fundos da UE estivesse de alguma forma vinculado ao respeito ao Estado de Direito. Embora estes líderes autocráticos não tenham alcançado plenamente o seu objectivo, as suas agendas dizem muito sobre a falta de compromisso com os valores da UE e com os direitos dos seus cidadãos.

A presidência alemã da UE tornou-se uma grande decepção na luta pelo Estado de Direito, gradualmente enfraquecendo o mecanismo de condicionalidade do Estado de Direito sempre que teve controlo do processo, resultando no risco agora de atrasar seriamente a sua implementação, e gerando um impasse quanto ao escrutínio do Artigo 7 – o procedimento do tratado da UE quanto aos Estados em violação dos valores da UE.

A nova presidência portuguesa precisa de fazer duas coisas para defender o Estado de Direito na UE e pôr em prática as suas palavras.

Em primeiro lugar, deveria fazer reviver o escrutínio da UE sob o Artigo 7. A aplicação do Artigo 7 à Polónia em 2017 e à Hungria em 2018 foi a decisão certa a tomar. Mas, desde então, houve pouco progresso, principalmente porque outros Estados-membros não tiveram coragem de fazer o melhor uso dele.

Ainda há muito que pode ser alcançado por meio deste procedimento, começando pela convocação regular de audiências para ambos os governos prestarem contas; a adopção de recomendações quanto ao Estado de Direito; e a mobilização de uma votação para determinar se há um “risco manifesto de violação grave” dos valores da UE. Portugal deve certificar-se de que o persistente desrespeito da Hungria e da Polónia a importantes decisões do Tribunal de Justiça da UE seja trazido a discussão.

Em segundo lugar, Portugal deve fazer o seu melhor para activar o novo mecanismo da UE que visa condicionar o acesso aos fundos da UE ao respeito dos governos ao Estado de Direito. Concessões de última hora acordadas em Dezembro podem atrasar a sua aplicação até que o Tribunal da UE confirme a legalidade do mecanismo. E o prolongamento desse processo pode dar tempo ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e ao líder do partido no poder e vice-primeiro-ministro, Jarosław Kaczyński, para consolidarem ainda mais a sua usurpação do poder. Se, como prometeram fazer, a Polónia e a Hungria contestarem o novo mecanismo de Estado de Direito no Tribunal da UE, a presidência portuguesa deve apoiar um pedido de procedimento acelerado e limitar os danos à eficácia de todo o mecanismo.

A urgência é grande, porque a própria democracia europeia está em jogo. A própria história de Portugal deixa claro: a adesão à UE e o respeito pelos princípios democráticos devem andar de mãos dadas. É este o tipo de legado que a presidência portuguesa da UE deveria orgulhar-se em promover.

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