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Washington DC, 3 de agosto de 2012

 

Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Rousseff
República Federativa do Brasil
Brasília, BRASIL

Excelentíssima Sra. Presidenta Dilma Rousseff:

À luz da recente entrada da Venezuela no Mercosul, a Human Rights Watch vem respeitosamente destacar a oportunidade – e responsabilidade – de seu governo e de outros países-membros do Mercosul enfrentarem os graves problemas de direitos humanos na Venezuela atualmente.

Como se sabe, o artigo 1º do Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul declara: "A plena vigência das instituições democráticas e o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais são condições essenciais para a vigência e evolução do processo de integração entre as Partes."[1]Por sua vez, o artigo 2º determina que: "As Partes cooperarão mutuamente para a promoção e proteção efetiva dos direitos humanos e liberdades fundamentais através dos mecanismos institucionais estabelecidos no Mercosul."

Em relação ao artigo 1º, o governo do Presidente Hugo Chávez tem concentrado poder nas mãos do Executivo, deliberadamente minando a independência de outras instituições democráticas e eliminando controles essências contra ouso abusivo e arbitrário do poder do Estado. O impacto dessas ações nas garantias de direitos humanos na Venezuela tem sido dramático.[2]

O Presidente Chávez e seus apoiadores na Assembleia Nacional passaram a controlar o Judiciário em 2004 quando aumentaram o número de Ministros no Supremo Tribunal de 20 para 32 e nomearam aliados políticos para os 12 cargos adicionais. Após as eleições legislativas de 2010 terem reduzido a maioria de Chávez no Congresso, o governo rapidamente mudou as leis que regem o processo de nomeação de juízes e, em seguida, nomeou mais aliados ao Supremo Tribunal antes que os legisladores da oposição recém-eleitos assumissem os seus postos.

O Supremo Tribunal deixou de funcionar como um órgão capaz de controlar o exercício abusivo do poder do Estado e garantir os direitos fundamentais. Seus Ministros rejeitaram abertamente o princípio de separação de poderes e se comprometeram com a agenda política do presidente Chávez. Esse compromisso político refletiu-se em decisões do tribunal que rejeitam abertamente o princípio de que o poder judiciário deve controlar o poder executivo e que subscrevem ao desrespeito do governo pelas normas internacionais de direitos humanos.

Um dos exemplos mais evidentes da falta de independência judicial na Venezuela é o caso da juíza María Lourdes Afiuni. Afiuni foi detida em dezembro de 2009 por ter concedido liberdade condicional a um crítico do governo, preso havia três anos sob acusação de corrupção e ainda não julgado. Embora sua decisão estivesse de acordo com as leis venezuelanas e internacionais, no dia seguinte o Presidente Chávez qualificou-a como "bandida" e exigiu a sua condenação a 30 anos de prisão. Ela permaneceu em prisão preventiva por mais de um ano num cárcere feminino para autores de crimes violentos e atualmente aguarda julgamento em prisão domiciliar.

Além disso, o Presidente Chávez e seus partidários na Assembleia Nacional têm limitado a liberdade de expressão por meio de diversas leis e políticas públicas que buscam controlar os meios de comunicação ou reformular seu conteúdo. Aprovaram leis que ampliam o escopo de disposições de desacato criminalizando o "desrespeito" a funcionários públicos, proíbem a transmissão de mensagens que "gerem ansiedade entre a população" e autorizam o governo a suspender ou desativar canais de TV e estações de rádio sempre que julgar que tal ação é "conveniente para os interesses da nação". O governo também usou sua autoridade regulamentar para sancionar – inclusive através de censura prévia – reportagens criticando medidas governamentais de interesse público.

Ademais, o Presidente Chávez e seus partidários empenharam-se para marginalizar defensores de direitos humanos no país, alegando – sem fundamentos – que recebiam apoio do governo dos Estados Unidos para prejudicar a democracia venezuelana. Em julho de 2010 o Supremo Tribunal decretou que pessoas ou organizações que recebem verbas estrangeiras podem ser julgadas por "traição" conforme uma disposição do código penal estabelecendo uma pena de até 15 anos. Em dezembro do mesmo ano, a Assembleia Nacional aprovou uma lei que impede organizações que "defendem os direitos públicos" ou "monitoram o desempenho de órgãos públicos" de receberem verbas internacionais. Também aplica multas pesadas às organizações que convidam estrangeiros que expressam opiniões que "ofendem" instituições do governo. Diversas ONGs internacionais atualmente enfrentam acusações criminais de partidários do governo por terem recebido verbas estrangeiras.

O acúmulo de poder no Executivo e a falta de proteção aos direitos humanos permitiram ao governo Chávez intimidar, censurar e condenar os venezuelanos que criticam o presidente ou se opõem à sua agenda política. O Presidente Chávez e seus partidários têm utilizado esses poderes em diversos casos que envolvem o poder judiciário, meios de comunicação e defensores dos direitos humanos.

Alguns casos de alta visibilidade afetaram não apenas as pessoas e grupos diretamente envolvidos, mas também muitos outros venezuelanos. Para juízes, jornalistas, emissoras e defensores dos direitos humanos em especial, as ações do governo enviaram uma mensagem clara: o presidente e seus seguidores estão dispostos e são capazes de punir todos que contestarem ou obstruírem seus objetivos. Embora muitos venezuelanos continuem criticando o governo, a possibilidade de sofrerem represálias – através de ações estatais arbitrárias ou abusivas – tem afetado a capacidade de juízes de julgarem casos politicamente sensíveis e forçado jornalistas e defensores dos direitos humanos a considerarem as consequências da divulgação de informações e opiniões criticas ao governo.

O artigo 2º do Protocolo de Assunção oferece ao seu governo e aos outros países-membros do Mercosul uma oportunidade importante e o dever de enfrentar seriamente esses graves problemas de direitos humanos junto com o governo da Venezuela. Se os países-membros do Mercosul ignorarem o compromisso de proteger e promover os direitos básicos e as instituições democráticas, transmitirão a mensagem infeliz de que os compromissos internacionais no Protocolo de Assunção são promessas vãs.

Atenciosamente,

 

José Miguel Vivanco
Human Rights Watch
 

CC: Ministro Antônio de Aguiar Patriota, Ministério de Relações Exteriores


1 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul, Mercosur/CMC/DEC. N, 17/05, http://www.mercosur.int/msweb/Normas/normas_web/Decisiones/PT/CMC_2005-06-19_NOR-DEC_17_PT_Prot%20Assun%20Diret%20Hum.PDF.

2 As informações contidas nessa carta são baseadas numa pesquisa realizada pela Human Rights Watch detalhada no relatório de 17 de julho, "Apertando o Cerco: Concentração e Abuso de Poder na Venezuela de Chávez". Para ler o relatório na íntegra, favor acessar https://www.hrw.org/reports/2012/07/17/tightening-grip-0.

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