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(Nova York) – O número de baixas entre civis está aumentando em função do uso de bombas de fragmentação em áreas residenciais pelas forças sírias, declarou hoje a Human Rights Watch. Um estudo inicial identificou pelo menos 119 locais na Síria em que pelo menos 156 bombas de fragmentação foram usadas nos últimos seis meses.

A Human Rights Watch investigou dois ataques com bombas de fragmentação nas últimas duas semanas – em Deir Jamal, perto de Aleppo, e em Talbiseh, perto de Homs. Onze civis morreram, incluindo duas mulheres e cinco crianças, e 27 ficaram feridos. 

“A Síria está fazendo uso constante de bombas de fragmentação – uma arma proibida – e civis estão pagando o preço em vidas e membros mutilados”, afirmou Steve Goose, diretor da divisão de Armas da Human Rights Watch. “Esses números são apenas iniciais, porque as bombas de fragmentação costumam deixar minibombas não detonadas que matam e mutilam muito tempo depois”.

Em 10 de março de 2013, um vídeo do YouTube (supostamente de Heish, em Idlib) mostrou um tipo de resto de bomba de fragmentação – a submunição ShOAB-0.5 – que, pelo que se sabe, ainda não tinha sido usada no conflito. A submunição ShOAB-0.5 era produzida pela União Soviética e, segundo consta, é encontrada apenas em bombas de fragmentação RBK-500 usadas em ataques aéreos. 

A Human Rights Watch identificou 119 locais na Síria, no mínimo, em que bombas de fragmentação foram usadas entre agosto de 2012 e meados de fevereiro de 2013.  Vários locais foram atacados repetidas vezes por bombas de fragmentação – principalmente al-Za’faraneh (perto de Rastan), além de Abil (perto de Homs), Binnish (Idlib), Deir al-’Assafeer (perto de Damasco), Douma (perto de Damasco) e Talbiseh (Homs).

Essas informações foram geradas por investigações de campo feitas pela Human Rights Watch e pela análise preliminar de mais de 450 vídeos postados na Internet por ativistas desde agosto. Restos de pelo menos 156 bombas de fragmentação diferentes foram identificados até o momento, a partir dos vídeos. A Human Rights Watch tem documentado o uso de bombas de fragmentação pelo governo, tanto em ataques aéreos quanto em terra, mas não encontrou evidências de uso por parte dos grupos rebeldes da oposição.  

Para cada vídeo ou grupos de vídeos que documentam o mesmo local, peritos da Human Rights Watch identificaram o tipo de bomba de fragmentação e o tipo de minibombas explosivas (também chamadas de submunições) que, aparentemente, haviam sido lançadas por aeronaves, incluindo helicópteros. Essas informações fornecem uma indicação da escala do uso de bombas de fragmentação, mas os dados são incompletos, pois é improvável que todos os restos tenham sido filmados. Provavelmente, o número real de bombas de fragmentação usadas na Síria é muito maior. 

A Human Rights Watch começou a coletar e preservar sistematicamente as evidências em vídeo em outubro, depois de identificar inicialmente 35 locais atacados por pelo menos 46 bombas de fragmentação.  Em cooperação com o Brown Moses Blog, a Human Rights Watch disponibilizará todos os vídeos, acompanhados por coordenadas geográficas e outras análises, em formato compatível com o Information Management System for Mine Action (IMSMA), em uma data futura.  Esse número provavelmente aumentará à medida que mais vídeos sejam coletados e analisados. A coleta de dados não inclui registros de vítimas, mas a Human Rights Watch documentou vários exemplos de baixas entre civis causadas por bombas de fragmentação na Síria desde meados de 2012, incluindo os meses de outubronovembrojaneiro.

Quarenta por cento dos restos das 156 bombas de fragmentação foram identificados como bombas de fragmentação RBK-250 PTAB-2.5. Elas são lançadas por aeronaves, incluindo helicópteros, e se partem no ar, liberando 30 minibombas PTAB-2.5 antitanques, que são altamente explosivas. Outro tipo de bomba de fragmentação identificado nos vídeos e pesquisas foi a bomba de fragmentação RBK-250 AO-1SCh, que libera 150 minibombas de fragmentação AO-1SCh. Um total de 103 bombas de fragmentação RBK-250 foi identificado nos vídeos. Em mais de 50 outros casos, foram identificados restos de uma bomba de fragmentação RBK, tais como sua cauda característica, mas não havia informações suficientes para identificar o tipo específico. 

Um estudo das inscrições das bombas e das submunições contidas dentro delas, bem como uma comparação com os manuais de armamentos soviéticos, mostra que elas foram feitas em fábricas estatais de munições da União Soviética na década de 1970 e no início da década de 1980. Não há informações disponíveis sobre como ou quando a Síria adquiriu essas bombas de fragmentação, que foram fabricadas na antiga União Soviética.

Em janeiro, a Human Rights Watch documentou baixas entre civis causadas pelo uso de outro tipo de bombas de fragmentação pelo governo sírio – o foguete egípcio SAKR de 122 mm, lançado na superfície, que contém minibombas antipessoais e antimateriais de função dupla.  Pelo que se sabe, este foi o primeiro uso sírio de bombas de fragmentação baseadas em terra no conflito.

Em 10 de março, ativistas locais divulgaram vídeos supostamente feitos na aldeia de Heish, província de Idlib, mostrando uma submunição que não funcionou (explodiu) no momento do impacto. Mais tarde, o vídeo foi disponibilizado na Internet pela Edlib News Network, um grupo de ativistas com base em Idlib. A Human Rights Watch identificou-a como uma submunição de fragmentação ShOAB-0.5. Trata-se de uma submunição em forma de bola de tênis que era produzida pela União Soviética e, segundo consta, é lançada apenas por bombas de fragmentação RBK-500 em ataques aéreos. Pelo que se sabe, a bomba de fragmentação RBK-500 e a submunição ShOAB-0.5 ainda não haviam sido usadas na Síria. 

A submunição ShOAB-0.5 é uma cópia direta da submunição BLU-26, produzida pelos Estados Unidos e muito usada no Sudeste Asiático nas décadas de 1960 e 1970. Segundo a Jane’s Information Group, uma editora especializada em assuntos militares, a Síria tem bombas de fragmentação RBK-250/275 e RBK-500. Manuais de referência internacionais informam que uma versão da bomba de fragmentação RBK-500 contém um total de 565 submunições ShOAB-0.5. É o quarto tipo de bomba de fragmentação identificado no conflito. 

Ataques Recentes em Deir Jamal e Talbiseh
Nas últimas duas semanas, a Human Rights Watch investigou baixas entre civis em dois ataques com bombas de fragmentação. Os locais atingidos ficam nas províncias de Homs e Aleppo. Com base em entrevistas com testemunhas, análise dos vídeos postados na Internet por ativistas locais e fotografias tiradas no local, a Human Rights Watch concluiu que um ataque com bomba de fragmentação em Deir Jamal (Aleppo) matou duas mulheres e cinco crianças da mesma família, além de ferir um homem, em 28 de fevereiro; em 02 de março, outro ataque com bomba de fragmentação matou quatro e feriu 26 civis, incluindo seis mulheres e sete crianças, em Talbiseh (Homs).

A Human Rights Watch visitou Deir Jamal nos dias 06 e 07 de março para investigar os ataques aéreos, entrevistando testemunhas e fotografando os restos das bombas de fragmentação. 

Um homem que morava ao lado de uma das casas destruídas no ataque disse à Human Rights Watch que estava a 700 metros de distância de sua casa, na aldeia, por volta das 00h30 do dia 28 de fevereiro, quando viu um avião que voava baixo começar a lançar bombas.  Ele ouviu explosões e dirigiu-se ao local do ataque: a casa de seus vizinhos, a família Dabbas. A testemunha disse que ajudou a retirar cinco corpos do local; outros dois foram retirados mais tarde. Outro morador disse à Human Rights Watch que estava a um quilômetro de distância, na aldeia, e viu um avião lançando bombas. Ele foi para a casa da família Dabbas, onde disse que viu os corpos e “pedaços de corpos” de duas mulheres e cinco crianças.

Um líder comunitário identificou as vítimas: Malak Muhamad Akil, 40 anos; Jinan Abdul Hameed Dabbas, 22 anos; Muhamd Ali Ahmad Dabbas, 12 anos; Haydar Ahmad Dabbas, 10 anos; Maryam Ahmad Dabbas, 3 anos; Ali Hasan Dabbas, 3 anos; e Hamzeh Hasan Dabbas, 1 ano. Além disso, a Human Rights Watch identificou um morador do local que foi ferido no ataque. 

Mais de 7.000 habitantes de Deir Jamal já haviam deixado a aldeia depois de fortes bombardeios e ataques aéreos. Havia apenas 60 civis no momento da visita da Human Rights Watch, além de algumas tropas da oposição do Exército de Liberação da Síria. A distância entre a base do Exército de Liberação da Síria e a casa da família Dabbas é de cerca de 300 metros, enquanto a linha de frente [MLBC1] fica a aproximadamente 13 quilômetros de distância.

A Human Rights Watch fotografou restos da bomba de fragmentação que atingiu a casa da família Dabbas e de outra bomba que caiu nas proximidades. Testemunhas disseram que mais três bombas de fragmentação caíram nas partes norte e leste da aldeia. Nas fotografias, a Human Rights Watch identificou os restos de uma bomba de fragmentação RBK-250/275 que continha minibombas de fragmentação AO-1SCh. Existem 150 minibombas nesse tipo de bomba de fragmentação.

Em 02 de março, um ativista local de Talbiseh gravou um vídeo de um ataque com bomba de fragmentação ao seu bairro, localizado no norte da cidade. Mais tarde, ele foi disponibilizado na Internet pelo Comitê de Proteção de Civis de Talbiseh. A Human Rights Watch entrevistou o ativista para corroborar as evidências do vídeo. O vídeo mostra um ataque com bombas de fragmentação. É possível ver a bomba se rompendo e espalhando submunições, incluindo algumas que não explodem e saltam em direção à câmera. O ativista descreveu o ataque à Human Rights Watch:

Eu estava andando por Talbiseh. (…) Minha câmera está sempre ligada. Nunca a desligo, porque você nunca sabe quando vai precisar dela. Quando cheguei à praça que fica no centro de Talbiseh, ouvi o som de uma explosão no ar e, em seguida, explosões no chão diante de mim. Ouvi outra explosão, mas o som veio de mais longe.

Ouvi pessoas gritando. Corri em direção a elas e descobri que havia pessoas em uma das ruas onde as minibombas se espalharam. Quando cheguei à casa, vi crianças muito feridas. Elas estavam dentro da casa no momento em que as minibombas atravessaram as paredes e explodiram. Depois de ajudar os feridos, encontramos três pessoas mortas em uma das casas vizinhas. Elas eram da mesma família. A minibomba explodiu ao lado delas; vimos os restos.  Fiquei sabendo que um quarto homem foi encontrado morto, na rua. Acho que ele estava caminhando no momento.

Encontramos várias bombas não detonadas. Não lembro o número exato. As minibombas das duas bombas se espalharam por sete ruas. As três primeiras ruas foram as mais danificadas; havia pessoas nelas no momento. As minibombas fizeram pequenos buracos no chão e nas paredes das casas. A explosão da bomba de fragmentação que é mostrada no vídeo causou vários ferimentos e baixas entre civis. O segundo ataque com uma bomba de fragmentação, a 500 metros de distância do primeiro, não causou danos a civis, porque atingiu uma área sem residentes.

No total, o ataque com bomba de fragmentação do dia 02 de março matou pelo menos quatro homens (todos civis, de acordo com o ativista) e feriu 26 pessoas. O ativista visitou o hospital de campo local depois do ataque. Lá, viu os 26 civis feridos, incluindo sete crianças e seis mulheres. Ele disse que quatro homens feridos no ataque pareciam estar em estado crítico em função de hemorragias internas causadas por estilhaços. “O hospital de campanha não tem equipamentos. Por isso, a equipe médica não pôde realizar as cirurgias. Ao mesmo tempo, não foi possível evacuar os feridos por causa do cerco imposto pelo exército sírio”, contou o ativista.

Os quatro homens mortos pelo ataque com bomba de fragmentação foram: Abdel Rahman al-Masri, Ahmad Swaiss, Selim Mohamad Miznazi e Mohamed Abdel al-Kafi al-Mer’I. 

A partir de vídeosdos restos das bombas (disponibilizadas na Internet por um grupo de ativistas de Talbiseh chamado Rede de Notícias sobre a Revolução na Síria) e da descrição do ativista, a Human Rights Watch identificou os restos de uma bomba de fragmentação RBK. 

Submunições não detonadas e outros restos deixados pelo ataque com bomba de fragmentação representam um risco mortal para as pessoas que os manipulem. A testemunha disse: “Uma hora depois que a bomba atingiu o solo, parte dela explodiu (...), mas não causou ferimentos”.

O ativista disse que tropas do Exército de Libertação da Síria estavam a um quilômetro de distância do local do ataque. “Brigadas do Exército de Libertação da Síria estão posicionadas em torno da cidade, que é vista como a linha de frente entre elas e o exército”, contou. “Elas não têm veículos dentro da cidade; como vocês podem ver no vídeo, todas as pessoas eram civis e o Exército de Libertação da Síria não estava presente. O Liwa’ al Islam [um grupo armado da oposição] é muito ativo em Talbiseh. (…) Depois do ataque com bombas de fragmentação, começou um bombardeio de tanques”.

Segundo o ativista, aproximadamente um terço dos moradores de Talbiseh deixara a cidade depois que suas casas foram destruídas por bombardeiros, mas refugiados internos de Homs haviam sido levados para lá. “O regime sabe que Talbiseh é uma área povoada”, disse ele. “O exército sírio nos cercou por todos os lados, dificultando a saída da cidade. Estamos presos aqui”.

Leis Internacionais
A maioria dos países proibiu terminantemente o uso de bombas de fragmentação por meio da Convenção sobre Bombas de Fragmentação, que entrou em vigor em 01 de agosto de 2010. A Síria não faz parte da convenção e não participou do Processo de Oslo de 2007-2008 que resultou na criação do tratado. Este proíbe o uso de bombas de fragmentação e exige a limpeza das áreas contaminadas e assistência às vítimas. No total, 79 países fazem parte da Convenção sobre Bombas de Fragmentação; outros 32 a assinaram, mas ainda não ratificaram. 

Os países que aderiram à Convenção sobre Bombas de Fragmentação são obrigados a promover as normas que ela estabelece com relação a essas bombas e a “envidar os melhores esforços para desencorajar os estados que não são parte da Convenção de usar bombas de fragmentação”, conforme o Artigo 21(2). Quatorze estados-membros condenaram o uso de bombas de fragmentação pela Síria, incluindo Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Japão, México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Suíça e Reino Unido. Estados não membros, como Qatar e Estados Unidos, fizeram o mesmo.

A Human Rights Watch é membro fundador da Coalizão Internacional contra Bombas de Fragmentação, a campanha da sociedade civil que é responsável pela Convenção sobre Bombas de Fragmentação.

“Todos os países que aderiram ao tratado de proibição de bombas de fragmentação têm a obrigação legal de se pronunciar e condenar o crescente uso desses armamentos indiscriminados pela Síria; no entanto, poucos estão fazendo isso”, disse Goose. “O momento de falar é agora. Pedimos que todos os países que se preocupam com a proteção de civis condenem os ataques com bombas de fragmentação da Síria da forma mais veemente possível”.

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