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(Moscou, 24 de abril de 2013) – O governo russo deu início a uma forte repressão contra a sociedade civil após o retorno de Vladimir Putin à presidência sem precedentes na história do país desde o fim da União Soviética, disse a Human Rights Watch em um relatório publicado hoje.

O relatório de 78 páginas “Leis de Atrito: Repressão contra a sociedade civil russa após o retorno de Putin à presidência”descreve algumas das mudanças ocorridas desde que Putin voltou à presidência em maio de 2012. As autoridades editaram uma série de leis restritivas; iniciaram uma campanha nacional de inspeções invasivas a organizações não governamentais; perseguiram, intimidaram e, em muitos casos, prenderam ativistas políticos; e buscaram enquadrar os críticos do governo como inimigos clandestinos. O relatório analisou as novas leis, incluindo a chamada lei de “agentes estrangeiros”, a lei da traição e a lei da reunião, além de documentar casos em que elas foram usadas.

“As novas leis e a perseguição do governo estão colocando os ativistas da sociedade civil às margens da lei”, comentou Hugh Williamson, diretor da Human Rights Watch para a Europa e a Ásia Central. “A repressão do governo está prejudicando a sociedade russa e afetando a posição internacional do país”.

Segundo a Human Rights Watch, muitas das novas leis e o tratamento da sociedade civil violam os compromissos internacionais da Rússiaem relaçãoaos direitos humanos.

Dentre as novas leis, várias têm o objetivo de limitar – ou até mesmo acabar com – a advocacia independente, pois impõem novos limites draconianos à associação com estrangeiros e ao financiamento estrangeiro. A lei de “agentes estrangeiros” exige que organizações que recebem financiamento estrangeiro e participam de supostas “atividades políticas” se registrem como “agentes estrangeiros”. Outra lei, aprovada em dezembro, essencialmente proíbe o financiamento proveniente dos Estados Unidos para atividades “políticas” de organizações não governamentais e bane grupos cujo trabalho seja “contrário aos interesses da Rússia”. Uma terceira lei – a lei da traição – expande a definição jurídica de traição de uma forma que poderia criminalizar o envolvimento na defesa internacional de direitos humanos.

O relatório documenta a campanha nacional de inspeções intrusivas do governo nos escritórios de centenas de organizações, envolvendo funcionários da Procuradoria Geral, do Ministério da Justiça, da fiscalização tributária e, em alguns casos, da polícia antiextremista, da fiscalização de saúde e da fiscalização de incêndio. Iniciada em março de 2013, a campanha de inspeções foi motivada pela lei de “agentes estrangeiros”.

A Human Rights Watch disse que, embora muitas organizações não tenham recebido os resultados da inspeção, pelo menos duas foram notificadas porque não se registraram como “agentes estrangeiros”; outras foram multadas por infrações das normas de segurança contra incêndio, infrações das normas de qualidade do ar, etc. Os inspetores examinaram os documentos fiscais, financeiros e de registro das organizações, entre outros. Em vários casos, exigiram que computadores ou e-mails fossem inspecionados. Em um caso, eles exigiram que uma organização comprovasse que seus funcionários haviam sido vacinados contra a varíola; em outro, pediram radiografias de tórax dos funcionários para garantir que ninguém sofria de tuberculose. Em outro caso, foram exigidas cópias de todos os discursos feitos nos seminários e conferências recentes do grupo.

“O governo afirma que as inspeções são de rotina, mas isso não é verdade”, disse Williamson. “A campanha não tem precedentes em termos de escopo e escala; claramente, seu objetivo parece ser a intimidação e a marginalização dos grupos da sociedade civil. É possível que a campanha de inspeções seja usada para forçar alguns grupos a encerrar o trabalho ou colocar um fim às suas atividades”.

A primeira organização condenada pelas autoridades russas a pagar taxas administrativas por não ter se registrado como “agente estrangeiro” foi a Golos, o grupo de monitoramento de eleições que havia documentado as infrações ocorridas nas eleiçõesparlamentaresde 2011. Um tribunal de Moscou deve se pronunciar sobre o caso em 25 de abril. A Golos e seu diretor podem ter de pagar multas de até 500.000 (aproximadamente US$16.280) e 300.000 rublos (aproximadamente US$9.700), respectivamente. Se o tribunal se pronunciar a favor das autoridades russas, a organização será forçada a se registrar como “agente estrangeiro” ou sofrerá mais sanções de acordo com a lei de “agentes estrangeiros”.

Segundo a Human Rights Watch, a lei de “agentes estrangeiros” serve apenas para demonizar os grupos que já informaram o recebimento de financiamento externo e suas atividades às autoridades. As autoridades devem retirar imediatamente as acusações contra a Golos.

Enquanto as leis eram debatidas e aprovadas, meios de comunicação a favor do governo faziam propagandas direcionadas aos principais grupos não governamentais, acusando-os de promover os interesses ocidentais em troca de verbas.

“Na Rússia, entende-se que o termo ‘agente estrangeiro’ se refere a um espião ou traidor; é difícil evitar a impressão de que, ao adotar essa lei, o objetivo das autoridades russas era desacreditar e demonizar os grupos da sociedade civil que aceitam financiamento estrangeiro”, disse Williamson.

Além das leis direcionadas especificamente a grupos não governamentais, o governo impôs novas restrições ao conteúdo da Internet. Descriminalizada no final da presidência de Dmitry Medvedev, a difamação voltou a ser criminalizada sete meses depois. Uma nova lei da reunião impôs limites às manifestações públicas e prevê uma multa máxima para aqueles que a violarem – equivalente a 10 vezes o salário médio mensal na Rússia.

O Tribunal Constitucional da Rússia decidiu que vários dos dispositivos da lei da reunião eram inconstitucionais; a Comissão de Veneza do Conselho da Europa concluiu que as emendas representam “um passo atrás com relação à proteção da liberdade de reunião” e pediu que a Rússia revogasse ou revisasse as principais disposições. Atualmente, a Comissão de Veneza está revisando a lei de “agentes estrangeiros” e a nova lei da traição.

A nova lei que controla o conteúdo da Internet cria um cadastro federal de websites que hospedam imagens relacionadas à pornografia infantil, conteúdo relacionado a narcóticos e informações que “incitam pessoas a cometerem suicídio”. Diversos órgãos do governo já estão autorizados a enviar websites para o cadastro sem uma ordem judicial.

Uma vez que um website passa a integrar o cadastro, os provedores que hospedam o conteúdo têm 24 horas para notificar o proprietário para que remova o material proibido. O proprietário do website tem mais 24 horas para cumprir a ordem. Se ele não remover o conteúdo proibido, os provedores do serviço de Internet devem impedir o acesso ao website dentro de 24 horas. De acordo com a Human Rights Watch, a falta de transparência e a supervisão independente da administração do cadastro são preocupantes, porque a nova lei de conteúdo da Internet poderia ser arbitrariamente utilizada para silenciar as críticas online ao governo.

Para a Human Rights Watch, o governo russo deve pôr um fim à repressão contra a sociedade civil e respeitar os direitos civis e políticos básicos para promover um ambiente em que a sociedade civil possa prosperar. Deve revogar as disposições jurídicas restritivas e seguir as recomendações de organizações intergovernamentais, como o Conselho da Europa e a Organização das Nações Unidas, para que a legislação e as práticas estejam de acordo com os compromissos da Rússia segundo o direito internacional.

O Conselho da Europa deve solicitar que a Comissão de Veneza – seu painel consultivo para assuntos constitucionais – revise as alterações de dezembro de 2012 introduzidas à lei de organizações não governamentais, à lei de conteúdo da Internet e à lei que reestabelece a

responsabilidade penal por difamação, com o objetivo de verificar se estão de acordo com as obrigações da Rússia no âmbito da Convenção Europeia.

A União Europeia deve articular uma política unificada para a Rússia que faça com que seus 27 países-membros e suas instituições se comprometam com uma mensagem comum e forte, assentada em princípios, sobre a repressão na Rússia e o papel central dos direitos humanos no relacionamento União Europeia-Rússia.

“Os parceiros internacionais da Rússia não devem deixar dúvidas sobre a seriedade com a qual veem a repressão que está acontecendo no país e devem mostrar a Moscou que é necessário interromper os abusos imediatamente”, afirmou Williamson.

Segundo a Human Rights Watch, os parceiros da Rússia terão uma excelente oportunidade para demonstrar sua preocupação com a repressão: a Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, que será realizada em 29 de abril, em Genebra.

A Human Rights Watch está publicando o relatório “Leis de Atrito: Repressão contra a sociedade civil russa após o retorno de Putin à presidência” junto com a Anistia Internacional e seu relatório “Liberdade ameaçada: A repressão à liberdade de expressão, reunião e associação na Rússia”. As duas organizações de direitos humanos expõem o ataque em curso às liberdades de expressão, associação e reunião que ganhou força durante o primeiro ano do terceiro mandato presidencial de Putin.

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