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"A educação das crianças tem dado um passo atrás... Deixamos o nosso país e nossas casas e agora elas sequer têm uma educação ou um futuro", disse Jawaher, refugiado sírio de 24 anos que mora no Líbano e cujo sobrenome não divulgamos para preservar sua identidade.

Jawaher é apenas um dos 1,1 milhão de refugiados sírios que vivem no Líbano. O número de refugiados é alarmante se considerarmos que o país tem uma população de apenas cerca de 4,5 milhões de cidadãos – este é o maior número de refugiados per capita no mundo.

Além disso, cerca de metade dos refugiados da Síria são crianças em idade escolar. 250 mil delas estão fora da escola – algumas delas nunca colocaram seus pés em uma sala de aula.

Estas crianças não devem ter que sacrificar a sua educação enquanto buscam proteção dos horrores da guerra na Síria.

Crianças sírias refugiadas à caminho da escola em Monte Líbano. © 2015 Bassam Khawaja/Human Rights Watch

Com o apoio financeiro de doadores internacionais, o Líbano tem empregado um esforço considerável. Taxas escolares foram revogadas e crianças sírias foram autorizadas a se matricularem no sistema de ensino público, que já enfrentava problemas mesmo antes da crise.

Porém, apesar destas iniciativas, o fracasso do Líbano e da comunidade internacional em garantir o acesso de centenas de milhares de crianças à educação terá sérias implicações na vida dessas crianças e no futuro da Síria.

Embora o Líbano tenha aberto 200 mil vagas para sírios no sistema de ensino público no ano passado, apenas 158 mil estudantes não-libaneses foram matriculados. Daqueles com idade entre 15 e 18 anos, menos de 3% estavam em escolas secundárias públicas.

Um recente relatório da Human Rights Watch, publicado em julho, identifica as barreiras que mantêm as crianças fora das escolas. Entre elas estão os requisitos arbitrários para a matrícula, uma estrita política de residência no país que dificulta a manutenção do status legal para refugiados, bem como os custos de transporte com os quais as famílias mais pobres não podem arcar. A necessidade de uma fonte de renda adicional também funciona como incentivo ao trabalho infantil em vez da educação.

O relatório é baseado em entrevistas da Human Rights Watch com mais de 150 famílias de refugiados. Aqui compartilhamos três histórias de crianças que enfrentam alguns dos obstáculos mais acentuados ao acesso à educação.

 

Barreiras à matrícula

"Este ano, eles realmente dificultaram para mim", disse Kawthar, mãe de 33 anos de idade, que fugiu para o Líbano em 2013.

Os filhos de Kawthar, Wa'el de 13 anos, e Fouad, de 7 anos, também enfrentaram dificuldades para se matricularem na escola no Líbano. © 2016 Bassam Khawaja/Human Rights Watch.

Desde que chegou, Kawthar tem batalhado para matricular seus filhos na escola por causa de inconsistências nos requisitos de matrícula. Uma escola exigiu vários documentos que o Líbano não requer oficialmente, incluindo carteiras de vacinação que ela deixou para trás ao fugir da Síria. Outra escola disse que sua filha de 15 anos, Mona, deveria retirar o véu para poder assistir às aulas.

Kawthar conseguiu, enfim, matricular seus filhos na escola, mas disse: "Eles não aprenderam nada" lá; três meses após o início do ano escolar e eles ainda não tinham recebido suas apostilas. Seu filho, Wa'el, tem uma dificuldade de aprendizagem, e sentar na primeira fileira ajudaria em sua concentração – mas a escola não permitia que o fizesse.

"É um pedido pequeno", disse Kawthar. Ao final, ela decidiu retirá-los da escola porque não podia continuar a pagar pelo transporte.

 

Trabalho infantil generalizado

Os irmãos Yousef, de 11 anos, e Nizar, de 10 anos, moram em frente a uma escola, mas nunca colocaram seus pés em uma sala de aula libanesa. Seus pais não podem trabalhar e, por isso, nos últimos três anos eles têm vendido doces nas ruas para ajudarem a família a pagar pelo aluguel e comida.

Nizar, de 10 anos, não tem ido à escola no Líbano desde que chegou da periferia de Damasco, em 2011. Ele vende doces nas ruas de Monte Líbano todos os dias para ajudar sua família. © 2016 Human Rights Watch

É um trabalho perigoso – os irmãos já foram espancados, roubados e mesmo presos. Mas quando perguntado se gostaria de se matricular na escola, Yousef respondeu: "Como é que vamos pagar?"

Mesmo quando há vagas disponíveis, muitas famílias de refugiados não podem pagar para manter seus filhos na escola.

Yousef, de 11 anos, veio da periferia de Damasco, na Síria, e nunca esteve na escola no Líbano. Em vez disso, nos últimos 3 anos, ele tem trabalhado na limpeza de uma confeitaria e vendendo doces nas ruas para ajudar sua família. Yousef diz já ter apanhado e ter sido roubado enquanto trabalhava. © 2016 Bassam Khawaja/Human Rights Watch

As políticas de residência para estrangeiros no Líbano dificultam a manutenção do status legal para refugiados: um pagamento anual de US$ 200 é exigido de cada sírio de 15 ou mais anos de idade, e para aqueles que não possuem um registro junto à agência das Nações Unidas para refugiados, é exigido o patrocínio por um nacional libanês para permanecer legalmente no país.

Estas determinações, muitas impossíveis de serem atendidas por refugiados vivendo na pobreza, os coloca em uma situação ainda pior, deixando-os impossibilitados de se locomoverem ou trabalharem por medo de serem presos.

Dessa forma, algumas famílias acabam contando com o trabalho infantil para sobreviver, porque crianças são raramente paradas em postos de controle e podem transitar e trabalhar mais livremente.

Setenta por cento dos refugiados vivem hoje abaixo da linha de pobreza. Algumas famílias relataram que o custo de apenas US$ 13 mensais com o transporte escolar eram a única barreira mantendo as crianças fora da escola.

 

Determinada a aprender

"Eu costumava ir à escola e a escola era muito importante para mim", ela lembrou. Vivendo em um acampamento informal no Líbano, Bara'a inicialmente não conseguiu se matricular na escola.

Bara’a sobe no ônibus que a leva à escola depois de ficar dois sem acesso à educação formal. © 2016 Bassam Khawaja/Human Rights Watch.

Assim como Malala – jovem baleada na cabeça pelo Talibã quando tinha 15 anos de idade por defender a educação para meninas no Paquistão – Bara'a pendurou uma lousa em uma árvore e começou a ensinar as crianças mais novas em seu acampamento, a partir daquilo que ela se lembrava da primeira série na Síria.

"Elas deveriam estar estudando para que, quando crescerem, possam ser o que quiserem", disse ela. "Se uma delas quiser ser uma professora ou uma médica, vai precisar saber como ler e escrever."

No outono passado, Bara'a finalmente se matriculou em uma escola pública, em um turno da noite para estudantes sírios. Mas ela não parou de ensinar.

"Também ajudo meus amigos e explico as lições para eles", disse Bara'a.

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