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Como os europeus poderiam nos ajudar a proteger a Amazônia

Publicado em: Le Monde

Em agosto do ano passado, no auge os incêndios florestais na Amazônia brasileira, o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou "nossa casa está queimando" e alertou que "nessas condições" a França não apoiaria o acordo comercial pendente entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que inclui compromissos de combate ao desmatamento.

Hoje a situação na Amazônia se agravou ainda mais, especialmente para as comunidades indígenas que estão na linha de frente dos esforços para defender a floresta Amazônica. É previsto que os incêndios recomeçarão em breve, ainda mais intensos do que no ano passado - e em um momento em que já estamos enfrentando a pandemia de Covid-19, que está devastando comunidades em toda a Amazônia e no país inteiro.

Fumaça sobe durante incêndio em uma área da floresta amazônica perto de Porto Velho, Estado de Rondônia, Brasil. © REUTERS/Bruno Kelly 2019

Agora, mais do que nunca, precisamos que os líderes europeus se manifestem - como Macron fez quando reiterou suas dúvidas sobre o acordo UE-Mercosul. Mas, para realmente fazer a diferença, eles devem ser mais claros sobre o que, exatamente, o Brasil deveria fazer.

No passado, Bolsonaro, irritado, rejeitou as críticas de Macron e de outros líderes europeus qualificando-as como uma afronta à soberania brasileira. Mas o presidente não fala pelos muitos brasileiros, indígenas e não indígenas, que lutam há anos para preservar nossa floresta.

O Brasil já liderou o esforço global de conservação florestal. Entre 2004 e 2012, alcançamos coletivamente uma redução de 80% no desmatamento. A partir de 2012, entretanto, cortes orçamentários e recuos nas políticas públicas resultaram no enfraquecimento dos órgãos de proteção ambiental, e na retomada do desmatamento.

A retomada do desmatamento na Amazônia tem sido em grande parte impulsionada por redes criminosas, que agem com violência, e contra as quais, o governo Bolsonaro tem fracassado em agir. O relatório de 2019 da Human Rights Watch “Máfias do Ipê: Como a Violência e a Impunidade Impulsionam o Desmatamento na Amazônia brasileira” documentou como essas redes criminosas ameaçam, atacam e matam agentes ambientais, indígenas e outros defensores da floresta que cruzem seu caminho. Os assassinos raramente são levados à justiça.

O que está em jogo na Amazônia, portanto, não é a disputa entre a soberania brasileira e o ambientalismo europeu, mas sim entre essas máfias que destróem a floresta e os tantos brasileiros que se colocam no caminho pra tentar defendê-la. 

Bolsonaro tem, na prática, escolhido o lado das redes criminosas. Ele tem atuado para sabotar os já enfraquecidos órgãos ambientais e atacado os grupos ambientalistas. Não é uma supresa portanto que o desmatamento tenha aumentado em mais de 80% no ano passado e continuem subindo este ano, de acordo com alertas em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Igualmente, não surpreende que as ameaças contra os defensores florestais tenham continuado, assim como a invasão dos territórios indígenas por garimpeiros, madeireiros e outros invasores, encorajados pelas políticas antiambientais de Bolsonaro.

Cientistas afirmam que o desmatamento descontrolado está levando rapidamente a Amazônia a um "ponto de inflexão" irreversível, no qual deixará de servir como "reservatório de carbono" e passará a liberar grandes quantidades de carbono armazenado. O resultado agravará a crise climática que ameaça tanto os europeus como os brasileiros. 

O acordo comercial UE-Mercosul, contém compromissos para combater o desmatamento e cumprir com o acordo climático de Paris.  Faria algum sentido os europeus ratificarem este acordo quando Bolsonaro está ativamente desmantelando a capacidade do Brasil de cumprir seus compromissos e acelerando o processo rumo ao "ponto de inflexão", quando seu cumprimento tornar-se-á impossível?

Neste momento, a UE deveria mandar uma mensagem clara e categórica a Bolsonaro: a ratificação não pode ser nem mesmo considerada até que o Brasil demonstre que está pronto para cumprir seus compromissos ambientais. Para essa avaliação, a UE deveria estabelecer parâmetros claros, baseadosem resultados concretos, não em planos.

Esses parâmetros de referência devem abordar os problemas interrelacionados que estão no centro da crise na Amazônia: violência e desmatamento. Um deles deve ser que o governo brasileiro mostre progresso substancial no combate à impunidade pela violência contra defensores da floresta, e deve ser medido pelo número de casos investigados, processados ​e levados a julgamento. O segundo deve ser a redução efetiva nas taxas de desmatamento que seja suficiente para colocar o país no rumo certo para cumprir suas metas no âmbito  do Acordo de Paris.

Bolsonaro não se importa com o que os brasileiros como nós - nas comunidades indígenas e na sociedade civil - têm a dizer. Ele não se importa com a floresta Amazônica ou as mudanças climáticas. Mas ele e seu governo se preocupam com o acordo comercial. Este pode oferecer a melhor oportunidade de influenciá-los. Se a França e a União Europeia usarem essa oportunidade sabiamente, poderão nos ajudar a proteger nossas comunidades indígenas e salvar nossa Amazônia.

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