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Osvalinda Marcelino Alves Pereira, uma pequena agricultora, mora em um projeto de assentamento do Incra cercado de floresta no pequeno município de Trairão, estado do Pará, no coração da Amazônia. Apesar da conexão instável, ela recebeu um telefonema de Estocolmo após uma tarde cuidando de suas graviolas, no início deste mês, com uma notícia inesperada: “Estou honrada em informar que você receberá o Prêmio Edelstam 2020”, ela escutou do outro lado da linha.

Amanhã, Osvalinda será a primeira brasileira a receber o prêmio em memória do diplomata sueco Harald Edelstam (1913-1989), conhecido por ter ajudado judeus na Noruega durante a Segunda Guerra Mundial e prisioneiros políticos no Chile, durante a ditadura de Pinochet. Ela será homenageada em uma cerimônia online com a participação da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e do Primeiro-Ministro da Suécia, Stefan Löfven. O júri concluiu que Osvalinda “tem se posicionado destemidamente contra as redes criminosas no seu trabalho de defender a Floresta Amazônica, aderindo assim ao compromisso da sociedade civil brasileira de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e de contribuir na mitigação do aquecimento global”.

Osvalinda ficou sem palavras ao receber a notícia, e profundamente comovida. “Este prêmio mostra que não estamos sozinhos”, ela me disse. “O mundo lá fora está vendo a nossa luta e compartilhando nossas angústias.” Esse apoio, no Brasil e no exterior, é fundamental para pessoas que, como Osvalinda, colocam suas vidas em risco para proteger a Amazônia das redes criminosas que lucram com a destruição da floresta.

Para Osvalinda, tudo começou em 2011, quando ela fundou uma associação de mulheres no assentamento onde mora com o marido, Daniel Pereira. Eles obtiveram apoio do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) para reflorestar áreas desmatadas e desenvolver práticas agrícolas orgânicas sustentáveis. Contudo, madeireiros desconfiaram do projeto, perguntaram se agentes ambientais estavam envolvidos, e exigiram interrompê-lo. Quando a associação continuou o projeto, pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira começaram a ameaçá-los.

Essas ameaças não silenciaram Osvalinda. Em vez disso, ela denunciou o desmatamento ilegal às autoridades e procurou a polícia local para relatar as ameaças. Policiais pouco fizeram para investigar e, em duas ocasiões, inclusive se recusaram a registrar os boletins de ocorrência, Osvalinda contou.

Em uma manhã, em 2018, o casal acordou e descobriu que alguém havia se infiltrado no quintal durante a noite e empilhado dois montes de terra com cruzes em cima, simulando suas covas. “Eu senti que Daniel e eu já estávamos enterrados ali”, disse ela. Eles precisaram abandonar sua casa e mudaram-se para outra região do país.

A história de Osvalinda não é isolada. Pequenos agricultores, incluindo muitas mulheres como ela, indígenas, e mesmo integrantes de agências ambientais como o Ibama que buscam proteger a Amazônia enfrentam ameaças e ataques das redes criminosas que impulsionam o desmatamento em grande escala.

Entre 2015 e 2019, mais de 200 pessoas foram assassinadas no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na Amazônia—muitas delas por pessoas supostamente envolvidas no desmatamento—segundo a Comissão Pastoral da Terra. Esses casos, em sua grande maioria, não foram levados à justiça. A Human Rights Watch documentou 28 assassinatos contra defensores da floresta na Amazônia e constatou que em pelo menos 19 os ataques foram precedidos de ameaças contra as vítimas ou suas comunidades.

Atualmente, defensores da floresta no Brasil têm ainda mais motivos para temer, uma vez que a situação tem somente piorado no governo Bolsonaro. O governo enfraqueceu suas próprias agências ambientais, as quais o presidente considera “indústrias da multa”. Em vez de combater com afinco as redes criminosas envolvidas no desmatamento e garimpo ilegal, ele tem culpado indígenas e a população local pelas queimadas associadas ao desmatamento. Somente neste ano, foram desmatados na Amazônia quase 8 mil km², uma área cinco vezes maior que a cidade de São Paulo, segundo dados do DETER, um sistema de alertas do governo.

Três meses atrás, Osvalinda e o marido retornaram para casa. Desde então, já receberam novas ameaças de morte. Seus familiares foram alertados de que criminosos estão oferecendo uma recompensa pela morte dela e de seu marido. Mas ela diz que desistir não é uma opção: “a minha luta e de meu esposo é continuar defendendo a agricultura, a natureza, a floresta, porque esse é o nosso lar”, ela me contou.

O programa federal de proteção a defensores dos direitos humanos os apoiou quando foram forçados a fugir de casa. Autoridades no Pará prometeram escolta policial, mas apenas se Osvalinda e seu marido construírem acomodações para os agentes—um pedido que seria impossível sem apoio financeiro externo.

A batalha de Osvalinda e outros defensores e defensoras da floresta evidencia a conexão entre destruição ambiental e violência. A Amazônia vive hoje não somente uma crise ambiental, mas também uma crise de direitos humanos. O Prêmio Edelstam traz visibilidade à difícil realidade daqueles que lutam para defender a floresta. Proteger a Amazônia exigirá protegê-los também.

 

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