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Brasil: Revisão secreta da política de direitos humanos

A exclusão da sociedade civil em discussões gera preocupação

O presidente Jair Bolsonaro abraça a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, durante cerimônia no dia 29 de agosto de 2019, em Brasília, Brasil. © Agência Brasil / Valter Campanato

O governo do Presidente Jair Bolsonaro deve garantir que quaisquer discussões sobre mudanças das políticas de direitos humanos no país ocorram de forma transparente, com amplo debate e participação da sociedade civil e dos grupos envolvidos, disse hoje a Human Rights Watch.

O governo Bolsonaro criou um grupo de trabalho para propor mudanças no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), a principal plataforma sobre políticas públicas de direitos humanos no Brasil. O grupo de trabalho não inclui representantes da sociedade civil, do congresso ou do judiciário, e todas as discussões serão secretas.

“O governo Bolsonaro, que vem promovendo uma agenda anti-direitos, anunciou que planeja mudar o Programa Nacional de Direitos Humanos em segredo absoluto e sem a participação de qualquer um que discordar de suas políticas”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Tendo em vista o histórico deplorável do governo em relação aos direitos humanos, existe um risco real de que o resultado desse processo secreto seja desastroso para a proteção desses direitos no Brasil.”

O PNDH estabelece uma série de diretrizes e objetivos com a finalidade de aperfeiçoar a proteção de direitos e liberdades, e tem sido a base para políticas de proteção e promoção dos direitos humanos.

Em 10 de fevereiro de 2021,  o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos publicou uma portaria instituindo um grupo de trabalho para revisar a política nacional de direitos humanos e seus programas, e propor mudanças.

O regulamento proíbe a divulgação de qualquer informação sobre as discussões do grupo até o encerramento de suas atividades, em novembro. Todos os catorze membros do grupo são representantes do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Eles podem convidar representantes de entidades públicas ou privadas para as reuniões, porém os convidados não terão direito a voto.

O Brasil implementou três Programas Nacionais de Direitos Humanos desde o fim da ditadura (1964-1985). Os três foram redigidos após consultas públicas amplas e transparentes.

Para a última revisão, a administração do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu em 2008 um grupo de trabalho formado por representantes da sociedade civil, comissões de direitos humanos do congresso, promotores, juízes e defensores públicos, além do poder executivo. O grupo de trabalho organizou uma conferência nacional que examinou e atualizou o Programa Nacional de Direitos Humanos anterior, de 2002. Foram realizadas reuniões regionais adicionais.

O governo Lula estimou que aproximadamente 14 mil pessoas participaram das discussões.

O atual Programa Nacional de Direitos Humanos foi adotado em 2010. Um de seus resultados foi a criação da Comissão Nacional da Verdade para investigar violações de direitos humanos durante a ditadura no Brasil. O presidente Bolsonaro, então membro do congresso e apoiador do regime militar, fez oposição à comissão.

Além disso, o Programa Nacional de Direitos Humanos de 2010 defende a proteção das pessoas com deficiência contra a discriminação, a redução da letalidade policial, a educação sobre os direitos sexuais e reprodutivos, e a liberdade de expressão, entre outras iniciativas de suma importância.

O governo Bolsonaro tentou enfraquecer todas essas políticas. Abriu caminho para que seja negada educação inclusiva para crianças com deficiência e incentivadas as escolas segregadas para as mesmas. Por meio de declarações públicas e propostas legislativas, ele tem estimulado maior violência policial. Puniu servidores públicos por recomendarem a manutenção de serviços de saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia de Covid-19. E tem impulsionado processos penais contra pessoas que criticaram sua resposta à Covid-19.

O governo Bolsonaro tomou outras medidas para diminuir a transparência. Em março de 2020, o governo suspendeu os prazos para as agências governamentais responderem aos pedidos da Lei de acesso à informação durante a emergência da Covid-19 e impediu os cidadãos de ingressarem com recurso para solicitações recusadas. Em junho, parou de fornecer dados completos sobre o número de casos confirmados e óbitos por Covid-19. Em ambos os casos, o Supremo Tribunal Federal anulou as medidas.

O presidente Bolsonaro também tem demonstrado grande hostilidade contra organizações não governamentais. Em abril de 2019,  extinguiu a maioria dos conselhos, comitês e grupos de trabalho do âmbito federal que incluíam representantes da sociedade civil. O decreto também acabou com o comitê governamental encarregado de coordenar a implementação do PNDH.

No dia 12 de fevereiro, mais de 200 organizações não-governamentais brasileiras publicaram uma nota pública conjunta criticando a criação do grupo de trabalho para revisar o PNDH composto apenas por representantes do governo Bolsonaro. Eles pressionam pela revogação da portaria que criou o grupo.

O direito internacional dos direitos humanos exige que os governos forneçam ao público acesso à informação, inclusive ativamente colocando sob domínio público informações de interesse público. Os governos também são obrigados a consultar as comunidades envolvidas sempre que um processo de tomada de decisão puder afetar substancialmente o modo de vida e a cultura de um grupo minoritário. Em termos mais gerais, a transparência é um elemento extremamente importante para a prestação de contas sobre ações do governo e para a governança democrática.

“Considerando as possíveis implicações para os direitos das pessoas em todo o Brasil, bem como dos grupos marginalizados, qualquer revisão substantiva das políticas de direitos humanos deve ser conduzida de forma aberta, com ampla participação da sociedade, incluindo especialistas e grupos que podem ser particularmente afetados”, afirmou Maria Laura.

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