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Brasil: Procurador-Geral de Justiça do Rio enfraquece controle sobre a polícia

Responsabilização penal é essencial para coibir homicídios cometidos por policiais

Um veículo blindado da polícia militar passa ao lado de uma pessoa morta pela polícia, em 7 de abril de 2016, na favela do Jacarezinho. A polícia militar matou outras duas pessoas nessa mesma operação.  © 2016 Carlos Cout

O Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos, deveria restaurar a unidade recentemente eliminada de promotores de justiça especializados na prevenção, investigação e responsabilização de abusos policiais, ou constituir outra equipe para cumprir este mandato, disse a Human Rights Watch hoje em uma carta enviada ao Procurador-Geral de Justiça. 

Luciano Mattos, que se tornou Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em janeiro, extinguiu em março o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP), enfraquecendo substancialmente o controle externo da polícia pelo Ministério Público. Apesar de seus limitados recursos, o GAESP fez contribuições importantes para a prevenção e responsabilização  por abusos policiais no Rio de Janeiro desde sua criação em dezembro de 2015. 

“Mortes causadas pela polícia e outros abusos continuam sendo um problema enorme no Rio de Janeiro, em grande parte devido a uma impunidade generalizada”, disse Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch. “O Procurador-Geral de Justiça só piorou a situação ao eliminar a unidade de promotores encarregada de buscar a responsabilização nesses casos. Ele deveria reverter essa decisão”. 

O abuso policial é um problema crônico de direitos humanos no estado do Rio de Janeiro. As mortes decorrentes de ação policial atingiram níveis recordes até que em junho de 2020 o Supremo Tribunal Federal proibiu operações policiais em comunidades durante a pandemia da Covid-19, exceto em “hipóteses absolutamente excepcionais”. Ainda assim, a polícia do Rio matou mais de 1.200 pessoas em 2020, mais do que o número total de pessoas que morreram baleadas pela polícia nos Estados Unidos no mesmo período. 

Nos dias 16 e 19 de abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal realizará audiências públicas para discutir estratégias de redução da letalidade policial no Rio de Janeiro, no contexto de uma ação que pede ao tribunal que determine ao estado do Rio de Janeiro a elaboração de um plano com esse objetivo. Para o sucesso de qualquer plano para reduzir a letalidade policial é crucial o compromisso do Procurador-Geral de Justiça do estado de defender vigorosamente a lei em casos que envolvam atividades criminosas praticadas por policiais. 

Em uma decisão liminar de 2020, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin concluiu que as autoridades do Rio não conseguiram conter a letalidade policial. Posteriormente, também afirmou que a Constituição Federal atribui ao Ministério Público o papel de garantir a responsabilização nos casos de abusos policiais. A decisão observou que os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei exigem uma “instituição independente” como o Ministério Público para cumprir esta missão. Ele determinou que o Ministério Público do Rio de Janeiro conduzisse suas próprias investigações em casos de suspeita de conduta policial criminosa, em vez de depender de investigações da própria polícia. 

Da mesma forma, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou em 2017, em sentença sobre o caso Nova Brasília no Rio de Janeiro, que o Brasil assegure que abusos policiais sejam investigados por “um órgão independente e diferente da força pública envolvida no incidente, como uma autoridade judicial ou o Ministério Público”. 

A extinção do GAESP pelo Procurador-Geral Mattos torna o cumprimento da missão do Ministério Público muito mais difícil, disse a Human Rights Watch. 

Quando eliminado, em março, o GAESP tinha sob sua responsabilidade mais de 700 investigações de abusos policiais e havia apresentado 24 denúncias em casos de homicídios cometidos por policiais desde 2019, incluindo casos com grande repercussão, como o homicídio de Ágatha Vitória Sales Felix, de 8 anos, no Complexo do Alemão em 2019.

O GAESP também abriu inquéritos civis sobre práticas policiais que violam direitos básicos, com o objetivo de forçar a adoção e cumprimento de protocolos para coibir tais abusos. O grupo procurou enfrentar a prática perigosa de usar helicópteros como plataformas de tiro em comunidades populosas e dos falsos “socorros” de vítimas como um subterfúgio para destruir provas cruciais em casos de homicídios cometidos por policiais. 

Em março, o Procurador-Geral de Justiça Luciano Mattos anunciou que, devido à eliminação do GAESP, todos os casos de abuso policial seriam tratados exclusivamente pelos promotores com jurisdição sobre o caso, os “promotores naturais”. A maioria desses promotores  atua nos crimes de um determinado território. 

No entanto, esses promotores podem ter que investigar abusos cometidos pelos mesmos policiais com quem interagem ou trabalham em outros casos sob a mesma jurisdição. Eles podem, justificadamente, temer riscos de retaliação ao assinarem sozinhos uma denúncia contra esses policiais, disse a Human Rights Watch. Além disso, podem apresentar dificuldade em lidar com casos de abuso policial, muitas vezes complexos, ao mesmo tempo que possuem um grande número de outros casos sobre todos os tipos de atividades criminosas. 

Os promotores naturais podem também optar por não realizar suas próprias investigações sobre abusos policiais e, em vez disso, confiar apenas nas conclusões das investigações da Polícia Civil. Isso levanta sérias questões sobre a imparcialidade das investigações, uma vez que a Polícia Civil estaria investigando seus próprios membros ou então policiais militares com quem podem ter trabalhado em outros casos. 

O Procurador-Geral de Justiça Luciano Mattos também anunciou a criação da Coordenadoria-Geral de Segurança Pública, com a missão de coordenar os trabalhos do Ministério Público nesta matéria. No entanto, essa coordenadoria não terá autoridade para investigar e oferecer denúncias em casos individuais de abuso policial, nem para abrir inquéritos civis e outras ações envolvendo protocolos e práticas policiais que podem ser instrumentais para garantir o respeito aos direitos humanos. 

Embora algumas mortes por policiais ocorram em legítima defesa, muitas outras são resultado do uso excessivo e imprudente da força, conforme documentado pela Human Rights Watch e outras organizações. Os abusos da polícia, incluindo execuções extrajudiciais, fazem com que as comunidades temam, em vez de confiarem na polícia. Eles contribuem para um ciclo de violência que coloca em risco a vida de civis e dos próprios policiais. 

“O enfraquecimento dos mecanismos de responsabilização por abusos policiais apenas beneficia os policiais que infringem a lei”, disse Maria Laura Canineu. “Policiais abusivos e violentos não só causam grande sofrimento a centenas de famílias do Rio todos os anos, mas também comprometem a segurança pública e tornam o trabalho de policiamento ainda mais difícil e perigoso para o restante da força policial”. 

 

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