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Brasil: Fracasso na Resposta à Emergência Educacional

Cortes de orçamento e resposta desastrosa à pandemia de Covid-19 deixam milhões fora da escola

Um aluno recebe álcool em gel nas mãos em uma escola pública de São Paulo no primeiro dia de aula presencial, em 8 de fevereiro de 2021. © Andre Penner/ AP Photo/ Picture alliance

(São Paulo, 10 de junho de 2021) - O governo fracassou no enfrentamento do enorme impacto que a pandemia de Covid-19 teve sobre a educação no Brasil, deixando milhões de crianças e adolescentes com pouco ou nenhum acesso à escola, disseram hoje a Human Rights Watch e o Todos pela Educação.

Mais de um ano após o governo fechar as escolas devido à pandemia de Covid-19, o Ministério da Educação ainda precisa urgentemente aumentar o apoio aos estados e municípios a fim de garantir a educação à distância, incluindo o ensino online, e um retorno seguro às escolas, afirmaram as organizações.

“O fechamento de escolas teve maior impacto sobre crianças em situação de maior vulnerabilidade econômica”, disse Anna Livia Arida, diretora adjunta da Human Rights Watch no Brasil. “O governo precisa colocar a educação no centro de seu plano de recuperação da Covid-19, restaurar o orçamento da educação e utilizar os recursos disponíveis para garantir que milhões de crianças e adolescentes, especialmente aqueles com maior risco de abandono escolar, possam estudar”.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos não tiveram acesso à educação em novembro de 2020, a pior situação em duas décadas. Mais de 4 milhões deles, embora matriculados em escolas, não tiveram acesso ao ensino à distância ou a aulas presenciais em 2020. O fechamento das escolas afetou crianças e adolescentes de forma desigual, com maior impacto sobre negros ou indígenas e aqueles de famílias de baixa renda.

Uma comissão da Câmara dos Deputados que acompanhou os investimentos e despesas do Ministério da Educação em 2020 constatou que houve “uma queda abrupta e inexplicável do fluxo dos recursos federais em diferentes áreas da educação, em um ano em que o orçamento federal da educação deveria ser revisto para dar conta dos novos desafios, como conectividade dos estudantes e implementação dos protocolos de biossegurança”.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) alertou que, globalmente, o fechamento de escolas, juntamente com a queda na renda e perda de empregos nas famílias, quase certamente levarão a uma taxa mais alta de evasão escolar, mais trabalho infantil, maior insegurança alimentar e maior exposição à violência e exploração de crianças, alertou. Segundo a organização, a alta nas taxas de evasão escolar terá efeitos a longo prazo nas crianças e na economia, resultando em salários mais baixos e redução da qualidade de vida.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro de 2020, 16,6 por cento das crianças e adolescentes residentes em domicílios com renda per capita de até meio salário mínimo não tiveram acesso à educação enquanto nos domicílios com renda domiciliar per capita de 4 ou mais salários mínimos, o percentual era de apenas 3,9 por cento. Além disso, 46,7 por cento das crianças e adolescentes que não tiveram acesso à educação no ano passado viviam nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde há taxas maiores de vulnerabilidade econômica.

No Brasil, menos de um quarto de todos os alunos dedicou três horas ou mais por dia às atividades escolares em setembro, segundo um estudo realizado por diferentes organizações não governamentais. Quase 5% dos alunos do ensino fundamental e mais de 10% dos alunos do ensino médio relataram, em janeiro, que haviam abandonado a escola.

Antes da pandemia, 4,1 milhões de estudantes no Brasil não tinham acesso à internet. Há poucas chances de que essa situação melhore sem o apoio federal, disse a Human Rights Watch e o Todos pela Educação.

O Ministério da Educação deixou de gastar o dinheiro já previsto no orçamento para projetos que poderiam ter ajudado a minimizar as consequências da pandemia. O Ministério da Educação tem mandato para coordenar a política nacional de educação e fornecer financiamento adicional para a educação nos estados e municípios. No entanto, pouco fez para cumprir sua responsabilidade de coordenar com os estados e municípios ações para a redução das desigualdades durante a pandemia.

Vários estados e municípios têm enfrentado sozinhos os desafios para adaptar suas atividades para o ensino à distância, bem como para implementar protocolos de saúde e outras medidas necessárias para reabrir escolas com segurança. Um dos principais desafios tem sido a adaptação das atividades para alunos com acesso limitado ou sem acesso à Internet.

O Ministério da Educação tinha para a Educação Básica orçamento de R$ 48,2 bilhões para 2020, mas gastou apenas R$ 32,5 bilhões, o menor valor em uma década, apurou o Todos pela Educação. O Ministério também reduziu verbas do Programa Educação Conectada, voltado à universalização do acesso à internet de alta velocidade na educação básica. Segundo o relatório da comissão da Câmara mencionado acima, apenas R$ 100,3 milhões foram empenhados para o programa, menos da metade dos recursos efetivamente utilizados no ano anterior.

Para 2021, o presidente Jair Bolsonaro bloqueou R$ 2,7 bilhões – quase 20% - do orçamento da educação. Além disso, o ministro da Educação Milton Ribeiro apoiou o veto presidencial, depois derrubado pelo Congresso, a um projeto de lei para proporcionar verbas emergenciais visando aumentar o acesso à Internet para alunos e professores.

A pandemia da Covid-19 afetou a educação de milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo, mas a resposta desastrosa do governo brasileiro a ela piorou dramaticamente seu impacto sobre os brasileiros. Em vez de adotar as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), o governo brasileiro tentou impedir esforços dos estados para estabelecer o distanciamento social, vetou uma lei que exigia o uso de máscaras nas escolas – posteriormente derrubada pelo Congresso – e investiu pesadamente em medicamentos que alegou, sem evidências científicas, prevenir ou curar a Covid-19.

Apenas cerca de 10% da população do Brasil está totalmente vacinada. Isso inclui 234 mil profissionais da educação em todo o país, cerca de 8%. A escassez de vacinas tem contribuído para altos índices de casos novos e óbitos, o que manteve as escolas fechadas no Brasil por um período maior do que em outros países: um total de 40 semanas no ano passado, o dobro da média mundial, segundo a UNESCO.

O direito internacional dos direitos humanos garante a todas as crianças e adolescentes o direito à educação, mesmo em tempos de emergência. O Brasil precisa urgentemente colocar crianças e adolescentes no centro de sua estratégia de recuperação e priorizar esforços para garantir educação para todos, durante e após a pandemia.

Para cumprir as obrigações internacionais de direitos humanos do Brasil, a Human Rights Watch e o Todos Pela Educação recomendam que o governo federal e o Ministério da Educação, em conjunto com governadores e prefeitos, adote as seguintes medidas:

  • Aloque recursos estrategicamente para garantir o acesso à educação de crianças e adolescentes em maior risco de evasão escolar, incluindo negros e indígenas, bem como aqueles em áreas rurais e outras cuja educação tenha sido particularmente afetada durante a pandemia.
  • Envide seus maiores esforços para garantir vacinas para todos e mantenha os esforços para torná-las disponíveis e acessíveis aos profissionais de educação em todo o país, inclusive aqueles que atuam em comunidades marginalizadas.
  • Garanta que haja indicadores claros de quando o fechamento presencial das escolas pode ser justificado pelo risco de transmissão do coronavírus e defina parâmetros precisos e baseados em evidências para orientar as decisões de reabertura das escolas.
  • Apoie estados e municípios, especialmente os mais vulneráveis ​​economicamente, na oferta de equipamentos de proteção individual suficientes para todos os alunos e funcionários das escolas, na disponibilização de informações sobre a Covid-19 e em recursos para melhorar a ventilação e implementar protocolos de limpeza e higiene.
  • Apoie estados e municípios na avaliação das lacunas de aprendizagem e prejuízos causados pelo fechamento prolongado das escolas e no desenho das ações necessárias para corrigir essas lacunas.
  • Adote medidas para garantir internet acessível, confiável e estável, incluindo medidas direcionadas para fornecer acesso gratuito e equitativo – e dispositivos capazes de apoiar o conteúdo educacional básico – para crianças e adolescentes que ainda não podem assistir às aulas presencialmente.
  • Realize campanhas nacionais de “volta às aulas”, para um retorno gradual, seguro e efetivo, com sensibilização em massa nas comunidades para convencer as crianças e os adolescentes que estiveram fora da escola – devido à pandemia ou por outros motivos – a voltarem para a escola e suas famílias a apoiarem essas decisões. Identifique as crianças que não voltarem às aulas presenciais ou não as frequentarem regularmente e desenvolva estratégias para alcançá-las e a seus responsáveis, oferecendo qualquer apoio de que necessitem para continuar ou retomar os estudos.

“A interrupção prolongada das aulas presenciais por conta da pandemia está causando um retrocesso profundo e cruel na educação brasileira, com graves repercussões na desigualdade educacional, no aprendizado escolar e no sistema de proteção alimentar, física e socioemocional de milhões de crianças e jovens”, disse Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação.

 

*Esta publicação foi alterada para refletir que de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos não tiveram acesso à educação em novembro de 2020, a pior situação em duas décadas.

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