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Nicarágua: Perseguição a críticos antes das eleições

A ONU deve aumentar a pressão para proteger direitos e garantir eleições livres

Agentes da Polícia da Nicarágua agridem a opositora Valeska Valle e outros manifestantes que participavam de uma "manifestação nacional" contra o governo do presidente Daniel Ortega em Manágua em 30 de março de 2019. © 2019 Maynor Valenzuela/AFP via Getty Images

(Washington, DC) – A crescente campanha de violência e repressão do governo Ortega contra membros da oposição e da sociedade civil na Nicarágua exige maior envolvimento das Nações Unidas, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje.

O relatório de 37 páginas, “Críticos sob ataque: assédio e detenção de opositores, defensores de direitos e jornalistas antes das eleições na Nicarágua”, constatou que, com a aproximação das eleições presidenciais agendadas para 7 de novembro de 2021, detenções de importantes atores e outras graves violações de direitos humanos contra críticos parecem fazer parte de uma estratégia mais ampla para eliminar a competição política, reprimir a dissidência e preparar o caminho para o quarto mandato consecutivo do presidente Daniel Ortega. Entre 2 e 20 de junho, as autoridades nicaraguenses detiveram e abriram investigações criminais – aparentemente motivadas por interesses políticos – contra cinco importantes candidatos presidenciais da oposição e pelo menos nove proeminentes críticos do governo.

“A gravidade e o aumento da repressão brutal do governo Ortega contra os críticos e membros da oposição nas últimas semanas exigem um aumento da pressão internacional”, disse José Miguel Vivanco, diretor para Américas da Human Rights Watch. “Apoiando-se em medidas já adotadas pela ONU, é fundamental que o Secretário-Geral potencialize as ações da ONU e apresente a situação ao Conselho de Segurança.”

A crise na Nicarágua tem dimensões regionais preocupantes. Mais de 108 mil nicaraguenses foram forçados a fugir de seu país desde a repressão de 2018, com dois terços deles buscando refúgio no país vizinho, a Costa Rica, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. A pandemia da Covid-19 exacerbou as vulnerabilidades e necessidades dos refugiados e requerentes de refúgio da Nicarágua.

Entre janeiro e junho de 2021, a Human Rights Watch entrevistou 53 pessoas na Nicarágua por telefone, incluindo 46 ativistas, advogados, jornalistas, defensores de direitos humanos e opositores políticos vítimas de assédio e/ou submetidos à detenção arbitrária. A Human Rights Watch também analisou fotos e vídeos feitos durante as prisões, bem como reportagens e publicações de organizações de direitos humanos locais e internacionais. Em 14 de maio, a Human Rights Watch solicitou informações às autoridades nicaraguenses sobre o andamento das investigações sobre esses tipos de casos, mas não obteve resposta.

Ortega controla de perto as forças de segurança. Frequentemente, policiais e até membros do exército, ficam do lado de fora das casas de críticos do governo, impedindo-os de deixar suas casas em circunstâncias equivalentes a uma prisão arbitrária, concluiu a Human Rights Watch. Muitas vítimas disseram que não puderam visitar amigos e familiares, comparecer a reuniões, trabalhar ou participar de protestos ou atividades políticas. Alguns não puderam levar os filhos à escola ou a consultas médicas. Documentamos três casos de mulheres que sofreram assédio sexual e agressão durante a detenção.

Alguns foram detidos arbitrariamente em várias situações, por períodos que variam de muitos dias a muitos meses. Diversos detidos descreveram o tratamento abusivo na detenção que, em pelo menos dois casos documentados pela Human Rights Watch, provavelmente equivalem à tortura.

Grupos de direitos humanos da Nicarágua relatam que 124 pessoas consideradas críticas do governo permaneciam detidas arbitrariamente até junho de 2021. Muitas estavam na prisão há mais de um ano.

Valeska Sandoval, uma ativista de direitos humanos de 22 anos e estudante universitária, foi forçada a entrar em uma viatura policial sem explicação em 24 de abril de 2021. Na prisão de El Chipote, relatou que, “dois policiais me levaram a um armazém e amarraram minhas mãos com arame no teto, forçando-me a ficar de pé com as mãos estendidas sobre a cabeça”. Um oficial perguntou a ela “o que ela havia dito nos Estados Unidos”, onde ela havia procurado refúgio sem sucesso antes de ser deportada de volta para a Nicarágua. Ela disse à Human Rights Watch que policiais de controle de manifestações deram tapas em seu rosto, um soco no estômago e a levaram para um tanque de água. “Eles forçaram minha cabeça dentro e fora da água por um período de 20 minutos”, contou ela. Após a liberação, os agentes a avisaram: “Na próxima vez que a virmos, vamos te matar”.

Um porta-voz da ONU disse em 9 de junho que o Secretário-Geral António Guterres estava “muito preocupado com as recentes prisões e detenções, bem como com a invalidação de candidaturas de líderes da oposição na Nicarágua”. Com base em seu Chamado à Ação em Direitos Humanos, o Secretário-Geral deveria invocar o Artigo 99 da Carta das Nações Unidas para levar esta questão ao Conselho de Segurança da ONU e apresentá-la como uma crise crescente envolvendo graves abusos dos direitos humanos que poderiam desestabilizar a região, disse a Human Rights Watch. Os membros do Conselho de Segurança deveriam também solicitar informações ao Secretário-Geral e ao Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH).

A última vez em que o Conselho de Segurança tratou sobre a preocupante situação dos direitos humanos na Nicarágua foi em setembro de 2018, a pedido dos Estados Unidos. Naquela época, a Human Rights Watch instou os países membros da ONU a pressionarem a Nicarágua para parar com a repressão brutal aos manifestantes, desmantelar milícias armadas pró-governo e responsabilizar os envolvidos.

O ACNUDH condenou diversas vezes os abusos na Nicarágua. Em março, o Conselho de Direitos Humanos da ONU adotou uma resolução instando o governo a “revogar ou alterar a legislação que possa restringir indevidamente os direitos à liberdade de expressão e associação, à privacidade e da participação de assuntos públicos”, e a “adotar (...) reformas eleitorais e institucionais a fim de garantir eleições livres, justas, transparentes, representativas e confiáveis de acordo com os padrões internacionais, que incluem a presença de observadores eleitorais nacionais e internacionais independentes”.

O presidente Ortega está no poder desde 2007. Em 2009, o Supremo Tribunal de Justiça emitiu uma resolução permitindo que Ortega contornasse uma proibição constitucional de reeleição e concorresse a um segundo mandato consecutivo. Em seguida, uma emenda constitucional aprovada por seu partido, que controlava – e ainda controla – a Assembleia Nacional, aboliu os limites de mandato em 2014, permitindo-lhe concorrer novamente em 2016. Sua administração exerce controle total sobre todos poderesde governo, incluindo o judiciário e o Conselho Eleitoral.

Ortega utiliza há muito tempo a repressão para permanecer no poder. A Polícia Nacional e grupos armados pró-governo reprimiram brutalmente os manifestantes em 2018, prendendo e processando centenas de forma arbitrária e deixando mais de 300 mortos e 2.000 feridos. Graves violações de direitos humanos, incluindo tortura e assassinatos, permaneceram impunes.

A recente onda de prisões e assédio foi possibilitada por novas leis repressivas que violam a garantia do devido processo estabelecidas pelo direitos internacional dos direitos humanos e estão sendo utilizadas para dissuadir o discurso crítico, dar uma aparência legítima a detenções arbitrárias e manter os críticos na prisão para evitar a sua participação política, disse a Human Rights Watch.

O presidente Ortega também usou sua maioria na Assembleia Nacional para aprovar mudanças eleitorais que impedem candidatos da oposição de participarem das eleições. Além disso, a Assembleia Nacional nomeou sete novos membros, simpatizantes de seu partido, ao Conselho Supremo Eleitoral. Em 18 de maio, o Conselho proibiu o partido que funcionava como uma das duas principais coalizões da oposição de participar das eleições de novembro.

“Praticamente não há chance de os nicaraguenses exercerem seus direitos fundamentais à liberdade de expressão, reunião e associação, nem de votar e concorrer a cargos públicos, sendo vistos como opositores do partido no poder”, disse Vivanco. “As autoridades da ONU e os países membros que se preocupam com os direitos humanos têm a oportunidade de prevenir uma crise regional pressionando Ortega para acabar com sua repressão agora. Eles deveriam aproveitar esta oportunidade.”

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