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Brasil: Viver sem limites II deveria focar na independência, não na institucionalização

Garantir que pessoas com deficiência vivam na comunidade deveria ser prioridade máxima

(Brasília) – O governo brasileiro, em seu próximo plano para pessoas com deficiência, deveria estabelecer projetos concretos para a desinstitucionalização, disse hoje a Human Rights Watch. O plano Viver sem Limites II, previsto para ser lançado em outubro de 2023, é uma oportunidade para o Brasil criar um sistema que permita que as pessoas com deficiência vivam de forma independente na comunidade.

Milhares de pessoas com deficiência no Brasil vivem em instituições ou residências inclusivas – pequenos lares coletivos planejados para até 10 pessoas com deficiência. Em vários aspectos as condições dessas instituições se assemelham a condições prisionais, como confirmou uma nova investigação da Human Rights Watch.

Até o momento, o segundo plano de políticas do governo federal para pessoas com deficiência, o Viver sem Limites II, não aborda a necessária desinstitucionalização dessas pessoas, de acordo com entrevistas da Human Rights Watch com responsáveis por sua elaboração e implementação, apesar de ter por foco a dignidade humana, o fim da discriminação e a superação das barreiras para a plena participação cidadã.

“No Brasil, muitas pessoas com deficiência são forçadas a viver em instituições porque o governo falha em fornecer suporte adequado para a vida em comunidade”, disse Carlos Ríos-Espinosa, diretor-adjunto de direitos das pessoas com deficiência da Human Rights Watch. “Agora que o Brasil está relançando um plano para os direitos das pessoas com deficiência, há uma oportunidade crucial para enfrentar os prejuízos causados pelo confinamento dessas pessoas em instituições de acolhimento ou outras semelhantes.”

Uma iniciativa em andamento no Brasil é o programa de residências inclusivas para pessoas com deficiência que saíram de grandes instituições. Embora essas residências sejam destinadas a fornecer um apoio mais individualizado do que as grandes instituições – devido ao limite de até 10 pessoas –, elas ainda negam às pessoas com deficiência os direitos de capacidade legal, de viver de forma independente e de tomar decisões por si mesmas, afirmou a Human Rights Watch.

De 4 a 8 de setembro, a Human Rights Watch revisitou três instituições em Brasília e São Paulo cujas condições de vida havia documentado em um relatório publicado em maio de 2018. Ademais, visitou uma quarta instituição pela primeira vez. Uma funcionarária de uma das instituições visitadas disse que atualmente a instituição funcionava como uma “residência inclusiva”, embora tivesse 55 residentes.

Nenhuma das instituições visitadas, incluindo a recém qualificada como residência inclusiva, oferece às pessoas com deficiência que nela vivem opções de moradia adequadas para assumir um controle significativo de suas vidas. Os funcionários dessas instituições ainda determinavam seus horários para acordar, comer, dormir e fazer passeios, quando ocorrem.

Em uma instituição em Brasília, a Human Rights Watch visitou uma mulher que havia sido entrevistada em 2016 com permissão da equipe. Ela deu seu consentimento para que a entrevista fosse gravada. No entanto, quando os pesquisadores começaram a gravar, uma funcionária interrompeu a entrevista dizendo: “Ela não tem autonomia para decidir por si mesma. Você precisa de uma ordem judicial para obter permissão para fazer uma entrevista gravada.”

Quando a Human Rights Watch entrevistou essa mulher em 2016, ela disse que a instituição é “como uma prisão”. Durante a pandemia, de março de 2020 até junho de 2023, todas as visitas para os residentes da instituição foram interrompidas.

A Human Rights Watch também revisitou uma instituição em São Paulo onde vivem 11 pessoas com deficiência. A gestora disse que, antes da pandemia, raramente esses residentes saíam e que faziam apenas cinco saídas formais por ano. Ela disse que durante o período de pandemia até o meio deste ano os moradores só foram autorizados a sair para consultas médicas.

Nos dias 5 e 6 de setembro, a equipe da Human Rights Watch fez reuniões com autoridades públicas responsáveis pela elaboração e implementação do novo plano, que disseram que o governo federal planeja investir em 200 residências inclusivas adicionais. Em vez disso, o governo deveria estabelecer um plano concreto e com prazos determinados para a desinstitucionalização das pessoas com deficiência, com foco no apoio na comunidade e garantindo que todos os recursos sejam direcionados para esse fim, disse a Human Rights Watch. O governo federal brasileiro também deveria revisar o programa das residências inclusivas para garantir que de fato facilitem a vida independente, em vez de servirem como substitutas para instituições.

O Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que monitora a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, recomendou em 2015 que o governo brasileiro deveria criar mais alternativas na comunidade para que pessoas com deficiência exercitem o direito de viver de forma independente. Alternativas baseadas na comunidade incluem diversos serviços como assistentes pessoais, moradia acessível e com custo acessível, e apoio à tomada de decisões, entre outros.

Muitos outros países estão buscando alternativas baseadas na comunidade. Por exemplo, o Cazaquistão e a Moldávia iniciaram programas de vida independente que podem servir como modelos para esses programas. O governo brasileiro também deveria estabelecer um grupo de trabalho, em estreita consulta com organizações de pessoas com deficiência, para desenvolver políticas que apoiem alternativas para a vida independente.

“Quando o presidente Lula lançar o plano Viver sem Limites II, ele deveria se comprometer a acabar progressivamente com a institucionalização e as muitas limitações que ela traz”, disse Ríos-Espinosa. “Caso contrário, o título do plano de direitos das pessoas com deficiência do Brasil será uma promessa vazia.”

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