Skip to main content

Estados Unidos

Eventos de 2019

Manifestantes se ajoelham em frente ao Departamento de Polícia em Long Beach, Califórnia, durante um protesto em 31 de maio de 2020.

© 2020 AP Photo/Ashley Landis, File

Importantes falhas de direitos humanos dos Estados Unidos foram expostas em 2020. 

O impacto extremamente desproporcional da Covid-19 para populações negras, indígenas e outras minorias, ligado a persistentes disparidades em questões de saúde, educação e condição econômica, revelou os efeitos duradouros de políticas e leis abertamente racistas do passado e as barreiras ainda existentes à equidade. A morte de George Floyd pela polícia em maio, após uma série de outras mortes de pessoas negras pela polícia, desencadeou protestos massivos e em grande maioria pacíficos, que em muitos casos foram respondidos com brutalidade por policiais locais e federais. 

O governo do presidente Donald Trump continuou a desmantelar o sistema de refúgio dos Estados Unidos, a limitar o acesso de mulheres aos cuidados de saúde, a comprometer as proteções ao consumidor contra empréstimos predatórios e cobranças abusivas de dívidas e a enfraquecer os regulamentos que reduzem a poluição e tratam das mudanças climáticas. Depois que as autoridades eleitorais em todos os EUA apuraram os votos para a eleição presidencial, constatando que Joe Biden fora eleito como presidente, Trump fez infundadas alegações de fraude eleitoral. 

Em sua política externa, os Estados Unidos trabalharam em diversas frentes para enfraquecer as instituições multilaterais, inclusive por meio de sanções para atacar o Tribunal Penal Internacional. Os EUA desrespeitaram o direito internacional de direitos humanos ao se associarem a governos abusivos—embora tenham aplicado sanções a alguns indivíduos e governos por cometerem abusos de direitos humanos. 

Justiça racial 

A pandemia de Covid-19 impactou desproporcionalmente as minorias raciais e étnicas, principalmente comunidades negras, latinas e indígenas, que enfrentaram um maior risco de infecção, de agravamento da doença e de morte, bem como impactos econômicos graves. Essas disparidades estão ligadas a antigas e persistentes desigualdades nas condições de saúde e acesso a cuidados médicos, na educação, no emprego e na condição econômica. 

Algumas cidades e o estado da Califórnia reconheceram que essas disparidades estão relacionadas à herança da escravidão e avaliaram diversas formas de reparação para combatê-las. No âmbito federal, o projeto de lei HR 40, em tramitação no Congresso, propõe a criação de uma comissão para investigar o impacto histórico da escravidão e criar propostas de reparações. O HR 40 obteve uma adesão sem precedentes, contando com 170 apoiadores na Câmara dos Deputados e 20 no Senado até novembro de 2020. 

Em maio, a Human Rights Watch instou as autoridades estaduais e locais em Tulsa, Oklahoma, a garantir indenizações aos descendentes e aos sobreviventes do Massacre de Tulsa de 1921, no qual uma multidão de pessoas brancas assassinou centenas de pessoas negras e destruiu um bairro de alto padrão de pessoas negras. 

Milhares de pessoas de ascendência asiática relataram incidentes de ataques e discriminação racial após o início da pandemia de Covid-19. O presidente Donald Trump usou linguagem racista para descrever o vírus repetidamente. 

Pobreza e desigualdade 

A pandemia de Covid-19 agravou a pobreza e a desigualdade nos Estados Unidos e afetou desproporcionalmente as comunidades negras, latinas e indígenas. A pandemia e as medidas de saúde pública necessárias para reduzir sua propagação resultaram em perda de salários ou empregos, redução da cobertura de saúde e acesso reduzido a outros bens e serviços essenciais. Pessoas de minorias raciais - especialmente mulheres e imigrantes - continuaram desproporcionalmente representadas em empregos no setor de serviços com baixa remuneração, colocando-as em maior risco. Muitas pessoas, especialmente na agricultura e na produção de alimentos, enfrentaram condições de trabalho inseguras que levaram a surtos de Covid-19. 

A ampliação do seguro-desemprego e os auxílios financeiros emergenciais aprovados pelo Congresso coibiram significativamente o crescimento das taxas de pobreza. No entanto, muitos auxílios expiraram em julho e agosto. Os auxílios não incluíam proteções para aqueles que não podiam pagar contas ou custos de assistência médica e excluíam certos trabalhadores, incluindo imigrantes. 

O governo continuou a enfraquecer as proteções aos consumidores contra empréstimos predatórios e cobranças abusivas de dívidas. O Departamento de Proteção Financeira ao Consumidor (em inglês, Consumer Financial Protection Bureaueliminou uma regulamentação que buscava impedir que pequenos credores—incluindo os credores de empréstimos de curto prazo (em inglês, payday lenders)—cobrassem taxas de juros exorbitantes. 

Na Califórnia, os eleitores aprovaram um projeto de lei de iniciativa popular patrocinado por empresas de aplicativos que eliminou o salário-mínimo, licença médica remunerada e outras proteções trabalhistas importantes para motoristas de aplicativos de veículos compartilhados e de aplicativos de entrega. Essas proteções foram estabelecidas por uma lei estadual aprovada em 2019 e sua eliminação criou um precedente perigoso para os direitos trabalhistas nos EUA e em todo o mundo. 

Sistema jurídico penal  

As mortes de George Floyd e Breonna Taylor pela polícia e o caso de Jacob Blake, que foi ferido pela polícia, mas sobreviveu, provocaram protestos massivos que exigiam a responsabilização da polícia, a redução da esfera de ação e do poder da polícia, a eliminação de multas e taxas judiciais extorsivas e o investimento em comunidades negras. 

 

Em vez de abordar os problemas de pobreza ou de saúde que contribuem para o crime, muitas cidades dos EUA focam no policiamento agressivo em comunidades pobres e de minorias, alimentando um ciclo vicioso de encarceramento e violência policial. 

Embora nenhuma agência governamental mantenha um registro demortes por policiais, o banco de dados do jornal Washington Post documentou cerca de 1.000 mortes por uso de armas de fogo pela polícia nos últimos cinco anos, revelando disparidades raciais significativas. 

Pessoas negras relatam serem submetidas a muitas formas de abuso policial, incluindo o uso da força não letalprisões e detenções arbitrárias e assédio com maior frequência que pessoas brancas. A polícia foi responsável por abusos semelhantes contra indígenas. A taxa de mortes de indígenas pela polícia é ainda mais alta do que em relação a negros. 

Os EUA continuam com a maior taxa de encarceramento do mundo. Aproximadamente 2,3 milhões de pessoas estavam presas em 2020. Cerca de 10 milhões de pessoas são enviadas às prisões a cada ano. Com base nos dados de 2017-2018, cerca de 4,4 por cento da população adulta dos EUA estava em liberdade condicional. Em agosto, a Human Rights Watch documentou que as violações da liberdade condicional estão aumentando o número de presos. Muitas pessoas no sistema de justiça criminal continuam enfrentando multas e taxas exorbitantes, bem como barreiras no acesso à assistência social, programa de moradias e no direito ao voto. 

Embora a taxa de encarceramento de pessoas negras tenha diminuído progressivamente na última década, os negros e, em menor medida, os latinos, ainda têm maior probabilidade de serem presos do que os brancos. 

Alguns dos piores surtos de Covid-19 do país ocorreram em cadeias e prisões, onde mais de 169.286 pessoas testaram positivo e pelo menos 1.363 óbitos foram registrados até novembro. Algumas prisões careciam de medidas adequadas de segurança e saúde. Algumas jurisdições adotaram medidas para libertar pessoas ou limitar novos encarceramentos, mas poucas instituições fizeram reduções suficientes para limitar a propagação da Covid-19. 

Cinco estados dos EUA tinham executado um total de sete homens em 2020 até a elaboração deste relatório. O governo federal tinha executado mais oito até novembro, as primeiras execuções realizadas pelo governo federal desde 2003. O Colorado se juntou a outros 21 estados na abolição da pena de morte. Três outros estados impuseram moratórias nos últimos anos. 

O Congresso dos EUA não aprovou nenhuma legislação de reforma do sistema penal desde a “Lei Primeiro Passo” (em inglês, First Step Act) de 2018. Sua implementação teve resultados mistos. Embora as sentenças de milhares de pessoas tenham sido reduzidas, o governo frequentemente se opôs a reduções de sentenças ligadas a crack. Defensores de direitos criticaram como inadequados os programas de contabilização de créditos para libertação de presos. Uma ferramenta de avaliação de risco usada para avaliar a elegibilidade para a liberdade pode criar disparidades raciais e ser manipulada para evitar a saída antecipada. 

Quase meio milhão de presos provisórios estão em centros de detenção locais nos Estados Unidos. A prisão provisória leva muitas pessoas a se declararem culpadas, independentemente de culpa real, ou a assumirem dívidas para pagar fiança. Muitas jurisdições substituíram ou suplementaram a fiança monetária por ferramentas de avaliação de risco baseadas em algoritmos, o que não necessariamente reduz as taxas de encarceramento e reforça o preconceito racial. 

Na Califórnia, os eleitores rejeitaram uma lei que abolia a fiança em dinheiro, mas exigia que os tribunais usassem ferramentas de avaliação de risco nas decisões de prisão provisória. O estado de Nova York implementou uma reforma no uso de prisões provisórias sem essas ferramentas, resultando em reduções substanciais na número de presos provisórios. 

Crianças nos sistemas de justiça criminal e de justiça juvenil 

As prisões de menores de 18 anos por crimes violentos diminuíram em mais de 50 por cento nos últimos 20 anos e o número de crianças e adolescentes encarcerados caiu 60 por cento desde 2000. No entanto, as disparidades raciais e étnicas continuam. Os jovens negros representam aproximadamente um terço dos adolescentes com menos de 18 anos, mas eles representam dois terços dos jovens encarcerados nos Estados Unidos. 

Um movimento pelo uso de alternativas ao encarceramento para jovens que cometem certos delitos está reduzindo o encarceramento na Califórnia, Havaí, Kentucky, Geórgia, Flórida, Mississippi e Texas. 

VermontMichigan e Nova York também aumentaram a idade em que as pessoas podem ser julgadas no sistema de justiça para crianças e adolescentes. Mesmo assim, todos os estados dos EUA têm leis que permitem ou exigem que crianças e adolescentes com menos de 18 anos acusados de crimes graves sejam processados como adultos. Desde 2009, 22 estados reduziram as circunstâncias nas quais é permitido processar como adultos a crianças e adolescentes com menos de 18 anos. 

Mais de 200.000 pessoas constavam nos registros de criminosos sexuais por crimes cometidos quando tinham menos de 18 anos, revelou um relatório do Juvenile Law Center. Muitos foram obrigados a constar no registro, às vezes para o resto da vida, por atos como “streaking” (correr nu em público), “sexting” (envio de mensagens eróticas) ou atividade sexual consensual entre adolescentes. 

Política de drogas 

Os eleitores de Oregon aprovaram a primeira iniciativa popular do país para expandir o acesso ao tratamento de drogas baseado em evidências científicas e para e descriminalizar a posse de todas as drogas para uso pessoal. Os eleitores aprovaram iniciativas populares de legalização da maconha para uso adulto ou médico no Arizona, Mississippi, Montana, Nova Jersey e Dakota do Sul, elevando para 15 o número de estados onde a maconha para uso adulto é legal, e para 36 onde o uso de maconha medicinal é legal. A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (“Marijuana Opportunity Reinvestment and Expungement Act”, em inglês), que, se promulgado, cessaria a proibição federal da maconha.  

No entanto, a posse de drogas para uso pessoal continua sendo, de longe, o delito que mais gera detenções nos Estados Unidos. As prisões são marcadas por grandes disparidades raciais, embora as pessoas relatem taxas semelhantes de uso entre grupos raciais. De acordo com um relatório de 2020 da American Civil Liberties Union, em 2018, pessoas negras tinham 3,64 vezes mais chances de serem presas por posse de maconha do que pessoas brancas. 

Nos meses seguintes à declaração da emergência nacional de saúde pública em resposta à Covid-19, os EUA observaram um aumento nos já numerosos casos de overdoses, cerca de 17 por cento maior do que em 2019, segundo um estudo. O acesso ao medicamento naloxona para reversão de overdose aumentou nos últimos anos, mas a legislação de drogas é um obstáculo aos serviços de redução de danos que salvam vidas em muitos estados, e tratamentos para transtorno por consumo de drogas baseado em evidências científicas não se encontra disponível para muitas pessoas que o necessitam. 

Direitos de não cidadãos 

O governo continuou a atacar os direitos dos migrantes e solicitantes de refúgio. O reenvio de solicitantes de refúgio não mexicanos para o México enquanto aguardam a decisão do pedido de refúgio nos Estados Unidos, sob os “Protocolos de Proteção ao Migrante” (“Migrant Protection Protocols”, em inglês), continuou – com uma diminuição substancial de abril a julho – expondo dezenas de milhares de pessoas, incluindo muitas crianças, a condições precárias e perigosas e negando-lhes audiências justas. 

A Human Rights Watch identificou 138 casos de salvadorenhos que foram assassinados após serem deportados dos Estados Unidos para El Salvador desde 2013, revelando o impacto humano dos inadequados processos de proteção dos EUA. O governo do presidente Trump expandiu os procedimentos de deportação acelerada para famílias na fronteira e enviou solicitantes de refúgio hondurenhos e salvadorenhos para a Guatemala sob o problemático Acordo de Cooperação em Asilo. A Human Rights Watch documentou como as restrições dos EUA quanto ao acesso ao refúgio prejudicam as pessoas LGBT que fogem de perseguições, incluindo violência sexual, em El Salvador, Guatemala e Honduras. 

Como os casos de Covid-19 aumentaram em março, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (na sigla em inglês, CDC) ordenaram o fechamento das fronteiras terrestres, rejeitando as opiniões dos funcionários de carreira de saúde pública do CDC de que a decisão não era necessária. Isso levou à expulsão de mais de 330.000 pessoas ao longo da fronteira dos EUA com o México, incluindo crianças, sem adequada avaliação quanto à elegibilidade ao refúgio ou a outras proteções. 

Ao longo do ano, o governo propôs uma série de regulamentos para restringir severamente a elegibilidade para o refúgio e outras formas de proteção. 

As autoridades suspenderam algumas formas de fiscalização da imigração durante a pandemia, mas continuaram as deportações de migrantes detidos nos Estados Unidos, arriscando uma propagação mundial do vírus. 

As mortes em centros de detenção de migrantes dos EUA atingiram o maior número dos últimos 15 anos, com pelo menos oito óbitos relacionados à Covid-19. Em abril, a Human Rights Watch informou sobre a expansão, desde 2017, do sistema de detenção de migrantes  em unidades administradas pelo setor privado, onde não cidadãos são submetidos a ameaças e ao uso de força, a violações do devido processo legal e a condições insalubres e superlotação. Embora algumas pessoas tenham sido libertadas em resposta à pandemia, mais de 7.000 pessoas tinham contraído Covid-19 enquanto estavam detidas, até novembro. 

Um juiz federal determinou em junho que o governo dos Estados Unidos não estava cumprindo um acordo que limita a 20 dias a detenção de crianças e adolescentes menores de 18 anos em condições semelhantes a prisão. Em setembro, um informante denunciou a negligência médica e abusos por parte de um médico que trabalhava em um centro de detenção de imigrantes no estado da Geórgia; posteriormente, relatos de histerectomias e outros procedimentos ginecológicos realizados sem consentimento informado foram revelados. Um grande grupo de parlamentares exigiu uma investigação completa. 

Saúde e direitos humanos 

Até a elaboração deste relatório, os Estados Unidos lideravam os números de casos e de óbitos por coronavírus no mundo. Trump e outros funcionários do governo espalharam desinformação sobre o coronavírus. 

 

Os EUA disponibilizaram os testes de Covid-19 em grande parte gratuitamente. No entanto, os estados têm enfrentado dificuldades para aumentar a capacidade de realização de testes. Milhões de pessoas não dispõem de seguro saúde e não tem acesso a cuidados de saúde a um preço razoável. Os custos dos tratamentos podem ter forçado muitas pessoas a terem que decidir entre não procurar cuidados médicos ou enfrentar problemas financeiros muito graves. 

O número de pessoas sem seguro saúde nos EUA aumentou antes da pandemia, incluindo quase 10 milhões de mulheres sem cobertura. A perda de emprego relacionada à pandemia provavelmente aumentou esse número dramaticamente, com um impacto desproporcional às mulheres

Profissionais de saúde enfrentaram uma séria escassez de equipamentos de proteção. 

Direito ao voto 

As respostas das autoridades eleitorais à pandemia de Covid-19 prejudicaram seriamente o acesso de algumas pessoas ao voto nas eleições primárias, mas o acesso melhorou nas eleições gerais de novembro. Uma corte de apelação federal determinou que pessoas com condenações criminais na Flórida deveriam pagar as multas que lhe foram impostas antes de poder votar. Enquanto a mídia projetava a vitória eleitoral de Biden à presidência, Trump fez infundadas alegações de fraude eleitoral e questionou judicialmente os processos eleitorais de certos estados. 

Direito à educação 

Em todos os 50 estados, escolas foram fechadas durante certo período em resposta à pandemia. Enquanto permaneciam fechadas, muitas escolas adotaram um sistema online de ensino à distância, porém uma em cada cinco crianças nos Estados Unidos em idade escolar não tem acesso a um computador ou internet de alta velocidade em casa. Vários estudos alertaram que o fechamento de escolas aumentaria as desigualdades raciais e econômicas na educação, com um impacto particularmente significativo às crianças com deficiência

Meio ambiente e direitos humanos 

A administração Trump enfraqueceu as normas de qualidade do ar e emissão de gases do efeito estufa por carros, e suspendeu muitas exigências de monitoramento ambiental. 

As fazendas dos Estados Unidos continuam a usar mais de 70 pesticidas proibidos ou em processo de eliminação total na União Europeia, no Brasil ou na China, colocando em risco a saúde dos trabalhadores rurais e das comunidades próximas. 

A poluição do ar pela indústria, transporte e incêndios florestais, que têm aumentado devido às mudanças climáticas, continuou a impactar as pessoas nos EUA, principalmente as minorias raciais. Um estudo da Universidade de Harvard sugeriu que as pessoas com Covid-19 têm maior probabilidade de falecer se expostas a altos níveis de poluição do ar. 

Algumas comunidades, especialmente os indígenas que vivem em reservas, enfrentaram a pandemia de Covid-19 sem acesso adequado à água. Detroit não reconectou o abastecimento de domicílios cuja água havia sido cortada antes da pandemia, a maioria deles domicílios de integrantes de minorias. A organização “Nós o Povo de Detroit” (“We the People of Detroit”, em inglês), em pesquisa comunitária realizada em julho, constatou por meio do código postal que os endereços com mais cortes no abastecimento de água tinham correlação com um maior número de casos de Covid-19. 

Os Estados Unidos são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa no mundo. Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, com efeito a partir de 4 de novembro. Biden prometeu voltar a aderir ao acordo em seu primeiro dia de mandato. 

Eventos climáticos extremos aumentaram em frequência e intensidade, em parte devido às mudanças climáticas, e impactaram desproporcionalmente as comunidades já marginalizadas. O verão de 2020 foi um dos mais quentes já registrados. Alguns governos locais alertaram sobre doenças e mortalidade relacionadas ao calor, mas a maioria dos planos excluía grávidas, que são mais vulneráveis ​​ao estresse causado pelo calor. O parto prematuro também está associado ao calor. As mulheres negras, que já apresentam taxas mais altas de parto prematuro, se encontram particularmente vulneráveis. 

Direitos de mulheres e meninas 

A falta de acesso aos cuidados de saúde contribui para taxas de mortes maternas e mortes por câncer de colo do útero mais elevadas do que de outros países comparáveis. A Human Rights Watch documentou em 2020 como o estado do Alabama não fornece aos jovens as informações necessárias sobre saúde sexual e reprodutiva e não consegue persuadir o público a tomar a vacina contra o papilomavírus humano (HPV), que previne vários tipos de câncer, inclusive o do colo do útero. As taxas de vacinação no estado do Alabama permanecem baixas, sendo um estado com uma das mais altas taxas de mortes evitáveis por câncer de colo do útero no país, com mulheres negras apresentando maior risco de morte.  

A administração Trump continuou a limitar o acesso aos cuidados de saúde para mulheres. Desde que a “lei da mordaça” entrou em vigor em 2019 – que impede médicos que recebem fundos federais do Programa de Planejamento Familiar (conhecido como Title X) de fornecerem às mulheres informações sobre todas as opções disponíveis quanto à gestão da gravidez – a capacidade de atendimento a pacientes da rede Title X foi reduzida pela metade. Em julho, a Suprema Corte decidiu em favor das regras que permitem aos empregadores a optar pela não cobertura contraceptiva nos planos de seguro de saúde dos empregados sob alegação de objeções religiosas ou morais.  

Alguns estados, como Ohio e Texas, usaram a pandemia como desculpa para restringir ainda mais o acesso ao aborto. Em julho, uma lei entrou em vigor na Flórida exigindo que qualquer pessoa menor de 18 anos obtivesse o consentimento de um dos pais ou responsável legal antes de um aborto. 

Direitos das pessoas idosas  

Mais de 40 por cento dos óbitos por Covid-19 no mundo ocorreram nos EUA, porém apenas 8 por cento do total de casos foram de pessoas que viviam em instituições de acolhimento de longo prazo. As organizações gestoras de lares de idosos pressionaram os governos estaduais e federal a dar-lhes ampla imunidade legal. Os antigos e persistentes problemas de controle de infecções em instituições de acolhimento e a reduzida supervisão pública dos lares durante a crise de Covid-19 colocaram os residentes mais idosos, já vulneráveis, em maior risco. 

Os Centros de Serviços dos programas de saúde pública dos Estados Unidos, Medicare e Medicaid (na sigla em inglês, CMSproibiram visitantes em todas as instituições de acolhimento em resposta à pandemia, com limitadas exceções a visitas a pessoas em estado terminal, impedindo o contato de mais de 1,5 milhões de residentes idosos com suas famílias e amigos. Essas visitas complementam os cuidados fornecidos pelos profissionais, ajudam a proteger os residentes e fornecem apoio emocional essencial. Os CMS atualizaram suas diretrizes em setembro para permitir visitas em algumas circunstâncias, embora os protocolos variassem amplamente entre os estados. 

Orientação sexual e identidade de gênero 

Em junho, a Suprema Corte decidiu que uma lei federal que proíbe a discriminação sexual no espaço de trabalho f também deveria ser aplicada quanto a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero.  

Apesar da decisão, a administração Trump tentou diminuir as proteções de saúde e moradia para pessoas transgênero. Mais de uma dúzia de estados também avaliaram projetos de lei que restringem os cuidados de afirmação de gênero para pessoas menores de 18 anos, colocando em risco sua saúde e seus direitos. Pelo menos 28 pessoas transgênero foram mortas nos Estados Unidos em 2020. 

O Congresso não revalidou a Lei de Violência contra a Mulher, que inclui disposições para pessoas LGBT sobreviventes de violência e que expirou em fevereiro de 2019.Também não aprovou a Lei de Igualdade (em inglês, Equality Act), que proibiria a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero.  

Liberdade de expressão e de reunião 

O presidente Trump continuou a atacar os veículos de comunicação que questionavam as políticas de sua administração. Depois que o Twitter colocou um selo de verificação de fatos nos tweets de Trump, o presidente emitiu uma ordem executiva que tenta remover as proteções legais aplicáveis às plataformas de mídia social,o que representou um ataque à liberdade de expressão online em todo o mundo.  

As forças de segurança em várias jurisdições reagiram com uso excessivo da força contra pessoas que protestavam contra a violência policial.  

O presidente Trump adotou medidas agressivas contra os manifestantes que exigiam justiça racial. Ordenou que a polícia federal removesse manifestantes pacíficos de um parque próximo à Casa Branca para facilitar sua aparição para fotografias em uma igreja próxima. Contra a vontade das autoridades locais, sua administração enviou agentes federais a Portland, apesar de dúvidas quanto a competência deles nas ações de policiamento local. Foram relatados uso excessivo da força e outras condutas indevidas após o envio de agentes federais. 

Segurança nacional 

Em outubro, as autoridades estaduais e federais acusaram 14 homens ligados a movimentos de extrema direita de conspirar para sequestrar a governadora de Michigan e derrubar o governo estadual por causa das restrições relacionadas à Covid-19. Os homens discutiam “pegar” o governador da Virgínia pelo mesmo motivo, afirmou o FBI. Naquele mesmo mês, o Departamento de Segurança Interna identificou, entre as principais ameaças enfrentadas pelos EUA, os supremacistas brancos, juntamente com cibercriminosos e outras formas de interferência eleitoral pela China, Irã e Rússia. 

Também em outubro, um tribunal federal acusou dois suspeitos do Estado Islâmico (ISIS) de envolvimento na tortura e assassinato de jornalistas e trabalhadores humanitários dos EUA. O Reino Unido compartilhou informações importantes sobre os suspeitos depois que os EUA concordaram em não aplicar pena de morte. 

Os EUA informaram o repatriamento de todos os cidadãos detidos por suspeita de envolvimento com o ISIS e seus familiares na Síria e Iraque, totalizando 27 repatriados. 

Em janeiro, os psicólogos James Mitchell e John Bruce Jessen, arquitetos das técnicas de “interrogatório aprimorado” da CIA após os ataques do 11 de setembro de 2001, defenderam o uso da tortura em dezenas de detidos em seu primeiro depoimento público sobre o programa ilegal. A dupla testemunhou nas audiências de pré-julgamento dos processos pelo tribunal militar da Base Naval da Baía de Guantánamo sobre cinco homens acusados ​​de conspiração nos ataques de 11 de setembro. Outros procedimentos foram adiados para no mínimo até 2021 devido a Covid-19 e às renúncias consecutivas de dois juízes. Ainda continuam as preocupações quanto às condições das prisões e ao acesso a advogados de defesa para as 40 pessoas ainda detidas em Guantánamo, a maioria sem denúncia. 

Política externa 

Os Estados Unidos continuaram a se desvincular das instituições multilaterais. 

Em junho o governou tomou medidas sem precedentes ao editar um decreto executivo autorizando o congelamento de ativos e a proibição de entrada nos Estados Unidos de familiares de funcionários do Tribunal Penal Internacional (TPI) e outros que os auxiliam; em setembro, impôs sanções a dois funcionários do TPI. Em julho, os EUA se mobilizaram para sair da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Essa mobilização ocorreu após sua retirada do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da decisão de encerrar o financiamento dos EUA para o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA). 

A Comissão Sobre Direitos Inalienáveis ​​do Departamento de Estado dos EUA, um órgão estabelecido em 2019 para    “reexaminar” os compromissos dos EUA quanto ao direito internacional dos direitos humanos, divulgou um relatório em agosto defendendo uma abordagem hierárquica dos direitos humanos e descrevendo o aborto e o casamento igualitário como “controvérsias sociais e políticas divisionistas”. 

Em janeiro, a administração Trump rescindiu uma política de eliminação de todas as minas terrestres antipessoais. A administração continuou a reforçar e expandir a implementação de sua perigosa “Lei da Mordaça Global” (em inglês, Global Gag Rule), e omitiu a identidade de gênero e a orientação sexual de um projeto de política de gênero da Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID). 

Os Estados Unidos admitiram 11.814 refugiados no seu ano fiscal de 2020, uma redução de 85 por cento em relação aos 85.000 admitidos em 2016. Em outubro, a administração Trump estabeleceu o menor limite de reassentamento de refugiados nos EUA já registrado—15.000—para o ano fiscal de 2021. 

O presidente Trump continuou a elogiar líderes autoritários e seu governo continuou a fornecer assistência militar e a aprovar a venda de armas a Estados com péssimo histórico de direitos humanos. O governo também continuou a apoiar a guerra da coalizão liderada pelos sauditas no Iêmen apesar das inúmeras violações das leis de guerra, e prosseguiu com a venda de armas à Arábia Saudita no valor de US$ 478 milhões, apesar de duas votações bipartidárias no Congresso para restringir a venda de armas. 

Os Estados Unidos impuseram sanções a perpetradores de graves violações dos direitos humanos e corrupção, incluindo autoridades na Guiné Equatorial, Uganda e Sudão do Sul; autoridades do governo chinês e de Hong Kong, agências estatais e empresas; e 39 sírios, incluindo Bashar Al-Assad. 

O Congresso aprovou uma lei destacando as preocupações com os direitos humanos na China e em Hong Kong, mas algumas respostas do governo—incluindo a restrição de vistos para jornalistas chineses, o aumento do escrutínio de estudantes chineses e os esforços para proibir aplicativos de empresas chinesas de tecnologia—suscitaram questões de direitos humanos. Os EUA assinaram um acordo com o Talibã para a retirada de tropas americanas do Afeganistão. O acordo não abordou questões de direitos humanos, mas os EUA pressionaram por uma maior inclusão de mulheres e da sociedade civil na delegação do governo afegão para as negociações com o Talibã, que começaram em setembro. Os EUA não pressionaram publicamente o governo afegão sobre seus abusos. 

Na América Latina, o governo deu grande atenção aos graves abusos de direitos humanos na Venezuela, Cuba e Nicarágua, mas não examinou os abusos em países aliados, como Brasil, Colômbia, El Salvador e México.

No Oriente Médio, o governo apresentou, em janeiro, um plano para formalizar a anexação israelense de grandes partes da Cisjordânia ocupada e ajudou a negociar acordos para normalizar as relações de Israel com os Emirados Árabes Unidos e Bahrein em setembro. 

Enquanto isso, os EUA adotaram uma abordagem cada vez mais hostil em relação ao Irã. Em janeiro, os EUA executaram Qassem Soleimani, comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, em um ataque com drone no Iraque; depois, o presidente Trump publicou um tweet dizendo que responderia a uma retaliação do Irã com ataques a locais culturais iranianos, o que constituiria crime de guerra.  

Em setembro, após a recusa do Conselho de Segurança da ONU em renovar um embargo de armas que expirou em outubro como parte do Plano de Ação Conjunto Global (na sigla em inglês, JCPOA), os EUA argumentaram que poderiam reimpor sanções da ONU. Outros membros permanentes do Conselho e signatários do JCPOA, assim como o secretário-geral da ONU, se recusaram a aceitar a posição dos EUA, já que o país tinha se retirado do acordo.    

Na África, os EUA se concentraram na normalização das relações com o governo de transição do Sudão e retiraram o Sudão da lista de Países Patrocinadores do Terrorismo. Supostamente em resposta, o Sudão iniciou um processo de normalização das relações com Israel. Os EUA continuaram sua atividade militar na Somália, conduzindo dezenas de ataques aéreos, alguns dos quais resultaram em aparentes baixas civis que não foram adequadamente investigadas ou reconhecidas.  

Em maio, o Departamento de Defesa divulgou seu terceiro relatório anual sobre baixas civis, documentando os danos civis de certas atividades militares dos EUA e estimando 132 civis mortos ou feridos em 2019, uma estimativa significativamente menor do que as de organizações não-governamentais. O relatório também listou o número de alegações de danos civis que haviam sido recebidas, concluindo que apenas uma fração das alegações eram “credíveis”.